15/04/2013

O papel do pai


por Catarina Rodrigues
Psicóloga clínica e psicoterapeuta

De forma mais ou menos discreta tem-se vindo a assistir a uma mudança no papel do pai na família actual. Mas como se deu esta mudança? Que forças nela operaram e operam?

Numa relação de amor, o filho é fruto de um desejo de ambos, mulher e homem (tenha sido ou não planeado). Por isso, hoje em dia, os casais dizem com um sorriso na boca que estão grávidos! Alguma vez ouviríamos tal expressão em gerações anteriores?

Actualmente, os pais fazem questão de ir com as suas mulheres às ecografias, participam nas compras para o futuro bebé, e desde cedo começam a pensar como vão organizar as suas vidas para poderem oferecer uma relação afectiva de qualidade aos seus filhos. Muitos são os que querem estar presentes no parto e, nos partos vaginais, cortar o cordão umbilical. Afirmam que é uma forma de se sentirem mais próximos do seu bebé logo desde o nascimento. Fazem questão de usufruir da licença de paternidade e há aqueles que gozam a licença de parentalidade na totalidade, se as mulheres têm de regressar ao trabalho após a licença de maternidade obrigatória ou mesmo se as mulheres estão em casa (no caso de terem trabalhos por conta própria). E todos são unânimes em referir a importância deste tempo único, primário com os seus filhos. De como se sentiram próximos e ligados aos seus filhos, do sentido que esta vivência teve nas suas vidas, e de como isso não tem preço.

Não sei bem explicar estas mudanças (a sociologia deve ter uma palavra mais precisa a dizer sobre este assunto), mas penso que têm a ver com a revolução que aconteceu no modo de ver a relação amorosa, o amor e a expressão afectiva. Claro que a entrada da mulher no mundo do trabalho e a consequente necessidade de divisão de tarefas domésticas e familiares também influenciou esta mudança de ser homem/pai na sociedade actual. Mas penso que terá sido sobretudo a mudança na vivência da relação afectiva a responsável por esta mudança social e cultural a que assistimos.

Exprimir e demonstrar afectos de amor deixou de ser um tabu nos homens. Passou mesmo a ser o normal e o desejável. A expressão afectiva deixou de estar confinada às mulheres. Passou a ser natural esperar que um homem exprima o seu amor e o seu carinho quer por gestos inequívocos e concretos quer através das palavras. E penso que foi isso que trouxe uma alteração na relação entre pais e filhos. O afecto tornou-se a base da relação – de forma assumida/expressa, concreta, desejável e natural.

Neste sentido, a vinculação passou a estar associada quer às mulheres quer aos pais (ainda que a mãe tenha, geralmente, um papel de destaque na relação mais precoce. Contudo, sou da opinião que não devemos cingir este papel primordial apenas à mãe, visto que há pais que indubitavelmente são a figura de vinculação do seu filho, detendo, por isso, uma função fundamental nos primeiros tempos de vida deste).

O paradigma do papel do homem mudou de uma relação paterna educativa, onde a autoridade e a distância afectiva imperavam, para uma relação de parental afectiva, onde o amor e a intimidade são a palavra de ordem. Pai e mãe passaram a ter funções de base afectiva e educativa semelhantes, ainda que diferentes e, desejavelmente, complementares na relação com o seu filho. Espera-se que ambos os pais sejam dialogantes, empáticos, afectivos, interessados, enfim, cuidadores vinculados aos seus filhos. Algo que, anteriormente, se esperava ser da órbita feminina, sendo até um desprestígio para os homens (então caracterizados de efemininados ou demasiado sensíveis, ou seja, pouco homens).

Por outro lado, penso que esta mudança de paradigma catapultou a reflexão sobre o modo como os actuais pais se sentiram filhos, ou seja, o modo como sentiram a relação com os seus próprios pais (homens), e de como sentem que isso se repercutiu nas suas vidas. Muitos são os actuais pais que referem que desejam ter com os seus filhos uma relação diferente, senão mesmo na antítese, daquela que os seus pais (homens) lhes ofereceram, nomeadamente em termos de proximidade física e afectiva. São pais que consideram que a sua proximidade afectiva ao filho é importante na construção da personalidade deste. Por outro lado, assumem que a vivência plena da paternidade lhes traz um sentimento de serem homens mais completos e realizados.

Afinal, digo eu, os homens não serão diferentes das mulheres no sentimento de completude, de realização pessoal, de alegria e de sentido de vida que um filho proporciona. Não há amor igual ao que se sente por um filho, sejamos homens ou mulheres, pais ou mães. Essa assumpção plena e sem tabus é que é uma novidade nos pais da contemporaneidade.

Neste sentido, à semelhança das mulheres, muitos são os pais que sentem a concepção e o nascimento do filho como uma alavanca para a mudança de vida – no sentido de uma libertação das grilhetas de um percurso socialmente definido, em direcção a um futuro mais de acordo com o que sente que é melhor para si e mais consentâneo com as suas características e capacidades. Claro que os tempos de crise podem dificultar esse salto em termos concretos… Mas observa-se pelo menos uma reflexão crítica do que tem sido o percurso de vida próprio, pessoal e profissional, e se esta está ou não de acordo com o que se deseja para si e se sente que lhe trará realização.

Penso que podemos dizer, neste sentido, que o nascimento de um filho motiva um “segundo nascimento” nos pais. Também eles renascem com o nascimento daquela nova vida, onde são projectados desejos e futuros.

Quando o bebé nasce e à medida que vai crescendo, e os pais se vão sentindo mais seguros na sua capacidade parental, o amor e a energia sentidos alavancam o seu desejo de sentir que a sua vida faz sentido. E emerge o impulso para se fazerem as mudanças necessárias, quando assim não acontece. Quantos não são os pais, actualmente, que mudam de vida profissional quando têm um filho, procurando sair das amarras da educação recebida pela geração anterior (onde o dever se sobrepunha ao prazer) e encontrar o seu caminho de realização pessoal e profissional?

14/04/2013

Um ano de descobertas!

Um ano de descobertas
Revista Pais & Filhos (Abril de 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Da dependência absoluta à conquista do mundo. O primeiro ano de vida do bebé é um ano de descobertas constantes… e emoções fortes.
Aproxima-se o primeiro aniversário da minha filha! Uma data que assinalo com um texto inspirado na nossa vivência em conjunto e naquilo que ela me foi mostrando sobre a vida e o desenvolvimento dos bebés. Não se trata, contudo, de um diário de mãe. Não pessoalizarei o artigo, mas as reflexões nele contidas derivam, essencialmente, da minha experiência como mãe e, também, daquilo que, como psicoterapeuta, vou conhecendo dos bebés e dos pais internos dos meus pacientes.

Desenvolvo-me porque sinto o vosso amor e respeito por mim como pessoa

A vida dos bebés transforma-se de uma forma incrível ao longo do primeiro ano de vida. Em 12 meses, o bebé gradualmente vai passando de um estado sobretudo virado para o interior, dominado pela maturação do biológico, onde a regulação dos ritmos é o principal, para um estado onde a curiosidade pelo humano e pelo exterior é cada vez mais explícita e motiva o palrar e o andar!

Em termos psicológicos, vai começando a delinear a sua personalidade, na medida em que se vai ajustando e adaptando às modalidades relacionais dos pais/cuidadores. Como pessoa que é, o bebé é essencialmente relacional e é na relação com o outro e com a cultura envolvente que vai moldando e adaptando a sua personalidade. Ao mesmo tempo, em termos emocionais, vai também recolhendo informação sobre a confiabilidade do cuidado prestado pelas figuras parentais e percebendo se a estas se pode ligar com segurança ou não.

Acredito que um bebé tem um potencial de desenvolvimento emocional saudável enorme. Ao nascer, espera sobretudo um meio acolhedor da sua espontaneidade e está disponível para aprender tudo o que é humano pelo humano, nomeadamente através das figuras parentais. Ou seja, desde o nascimento, o bebé está disponível para uma relação com outros seres humanos e é deles que espera cuidado, proteção e ensinamento. Sentindo que a resposta do outro lhe é contingente, isto é, é contígua e empática à necessidade manifestada, o repertório expande e vai-se complexificando.

De modo contrário, a espontaneidade vai diminuindo e vão surgindo comportamentos defensivos e/ou psicopatológicos, que resultam do esforço do sujeito em se adaptar ao modelo relacional que lhe é oferecido por aqueles de quem depende. Podemos, por isso, pensar a psicopatologia como a melhor adaptação que aquele sujeito pôde fazer às condições emocionais e psicológicas que o meio lhe ofereceu.
Contudo, acredito que, consciente ou não, permanece um núcleo saudável e espontâneo à espera da resposta humana que lhe permita avançar no caminho do seu verdadeiro “Eu”. Se assim não fosse, a profissão de psicoterapeuta não existiria.

O que pretendo dizer é que os bebés não são tábuas rasas nem aceitam todo o tipo de cuidado que lhes é prestado, embora, dada a sua imaturidade e dependência, não tenham outra solução senão moldar-se. Na verdade, penso que os bebés estão à espera de um tipo de cuidado por parte das pessoas que tratam deles. Um cuidado fundado no amor, no respeito pela individualidade e pela dependência, na tolerância à frustração, no desejo de ver crescer, na tolerância à colocação das necessidades próprias em segundo lugar, em prol do bebé.

Ao longo do primeiro ano, o impulso para o desenvolvimento é enorme. Contudo, e como pretendo salientar, esse impulso para o desenvolvimento só se efetiva na interação com o humano. Pois só existe curiosidade pelo exterior porque o bebé sentiu, e sente efetivamente, o respeito, o amor, o interesse e o cuidado por parte da figura parental. Ou seja, só me interesso pelos outros porque antes alguém se interessou por mim e me mostrou que os outros são, por isso, dignos do meu interesse. Sem este interesse primordial e constante, o bebé fica cativo de uma necessidade insatisfeita e, embora vá crescendo fisicamente, emocionalmente permanece com esta necessidade em suspenso.

O primeiro trimestre: “Estar contigo, mãe, faz-me sentir uno”

Quando o bebé nasce, e existindo disponibilidade emocional materna, a dependência face à mãe é absoluta, e isto tanto em termos físicos como emocionais. Ao longo do primeiro trimestre, e sobretudo no primeiro mês, é como se existisse, para o bebé, uma necessidade de continuidade da sua vivência no útero materno. A mãe é a sua referência, a pessoa que conhece e a quem quer por perto para saber que está em segurança. Quer sentir, cheirar, ouvir a mãe e saber que esta acode sempre que precisa.

A meu ver, deixar o recém-nascido sem resposta (deixá-lo a chorar) é deixá-lo com um sentimento de desamparo e de estar perdido. O amor não tem regras definidas e é da ordem da resposta concreta e quando pedida. Foi essa a sua experiência no útero e para que possa esperar, primeiro precisa amadurecer o seu sistema fisiológico e ganhar confiança na nova relação que vai estabelecer com as figuras parentais.

Penso que esta disponibilidade imediata da mãe ajuda o bebé a sentir-se uno na sua experiência de si (não se sente desamparado e sem resposta) e na sua experiência de confiança com a sua mãe (ela leva os seus pedidos a sério e compreende que é pequenino e que precisa dela quase sempre para se sentir tranquilo).

São meses de grande adaptação para a mãe e de conhecimento mútuo. Desejavelmente, a mãe vai reconhecendo o seu bebé como único e como pessoa. Reconhecer que é uma pessoa é reconhecer que o seu bebé tem necessidades únicas e que está atento à relação que lhe é oferecida e que procura exprimir, com as competências que possui, as suas necessidades de atenção, carinho, aconchego, mimo, respeito, comida e higiene. Estas serão necessidades universais; o modo como o bebé necessita que lhe respondam é que é único.

À medida que se vai consolidando a confiança na boa resposta parental, e acompanhando a maturação fisiológica, o desejo de interação com os pais torna-se cada vez mais explícito.

A clareza da comunicação/intenção do bebé encontra-se, pois, correlacionada com o modo contingente como se sente entendido e respondido. Na ausência da resposta parental suficientemente boa, fica a angústia e a necessidade paira dentro do próprio em bruto (sem tradução verbal e emocional). A boa resposta parental traz a clarificação das necessidades apresentadas pelo bebé e isso contribui para que este se sinta competente na comunicação das suas necessidades.

Ou seja, por um lado, quanto mais o bebé sente a resposta parental correspondente às suas necessidades, mais estas se tornam claras: a boa resposta parental vai tornando as necessidades do bebé melhor definidas para este, porque a mãe e o pai conferem o significado correto – conferem palavra e dão o cuidado que o fazem sentir-se bem. Por outro, o facto de se sentir entendido, torna o bebé mais confiante na sua capacidade de comunicar o que necessita (“se me sinto melhor, é porque os meus pais o entenderam o que se passa comigo e eu consegui explicar-lhes”) e confiante na relação com os seus pais.

O mesmo sucede com os pais. Também vão ganhando confiança na sua competência, à medida que sentem que conseguem entender e ajudar o seu filho a crescer bem. É este sentimento recíproco de confiança e de competência em pais e bebé que funda, a meu ver, o 1º trimestre… e que delimita, no bebé, a linha entre a patologia e a saúde mental.

O segundo trimestre: “Já começo a mostrar a minha intenção!”

Depois… depois vem a interação clara e o prazer de aprender sobre as relações humanas e sobre o mundo no brincar entre pais e bebé! Efetivamente, creio que o 2º trimestre inaugura o interesse pelo mundo e pela interação com os pais. O bebé vai percebendo que os pais lhe procuram transmitir coisas de si mesmo e do mundo que o rodeia. Sente que são de confiança e tem curiosidade sobre o que fazem e dizem. A repetição de algumas brincadeiras e o estabelecimento de rituais por parte dos pais ajudam o bebé a estabelecer relações de causa-efeito e a associar palavras/sons a imagens ou comportamentos.

Gradualmente, o bebé dirige-se aos pais intencionalmente (falamos em proto-intencionalidade nesta fase) em busca de significado sobre o que o rodeia e sobre o seu estado interno. Por exemplo, o bebé olha para os pais quando estes enunciam um objeto ou animal ou pessoa. A sua atenção, mesmo que breve, é incisiva… e o conhecimento vai-se fazendo. Um exemplo para os estados internos, é quando o bebé tem fome ou quer mimo e olha e chora de uma certa forma para a mãe! Ou faz beicinho se o deixam no berço e ele quer colo!
Gostava aqui de salientar este aspeto: os bebés procuram e exprimem o que precisam e dirigem-se a quem têm tido a experiência da boa resposta às suas necessidades. Os bebés são pessoas, em formação, é certo, mas pessoas. Reconhecido como pessoa, o bebé pode, então, reconhecer-se como pessoa!

A dada altura o bebé olha para si mesmo com interesse e sorri! O seu mundo deixou de estar concentrado na mãe e no pai. E pode sorrir-se porque se sente amado e narcisado. O olhar apaixonado da mãe e do pai sobre si dá-lhe a certeza de que é alguém, de que é amado e reconhecido. 

Penso que será aqui que o bebé começa a desenvolver a sua individualidade. Note-se que não considero que exista um período inicial de confusão entre o bebé e sua mãe. Penso que o bebé sabe, desde que nasce, sem palavras e sem pensamentos verbais (talvez por imagens e sensações) que é um ser separado da sua mãe. Sempre o foi desde que estava no ventre materno. Contudo, à medida que se vai sentindo olhado e significado (reconhecido), associado ao amadurecimento do seu cérebro, o bebé começa a perceber que existe como alguém que é objeto de um amor inigualável por parte dos sujeitos parentais. Funda-se o amor próprio e um novo impulso para o desenvolvimento acontece!

O terceiro e quarto trimestres: “Olá mundo!”

Conquistando mais força e equilíbrio no seu corpo, e mais confiante em si mesmo, o bebé percebe que consegue fazer coisas incríveis e que já não depende tanto dos pais para alcançar as coisas que acha interessantes. Os próprios pais estimulam esta conquista, afirmando ao bebé que consegue fazer algo e continuando a chamar a sua atenção para as descobertas que ainda tem a fazer sobre o meio que o rodeia e sobre si mesmo. E para as que depende, primeiro o bebé olha com intensidade e palra, depois aponta e usa os pais como seu prolongamento para chegar a elas, em seguida gatinha e, por fim, anda! Tudo acompanhado por um esforço de nomear coisas e pessoas, em que em primeiro lugar pode vir a palavra “bebé”!

Esta conquista do mundo é possível porque o bebé vai adquirindo pela experiência concreta a certeza de que pode confiar que os seus pais estão ali por perto, lhe apresentam o mundo e lhe dizem quais as coisas que podem ser perigosas para ele, assegurando que nada de mal lhe possa acontecer. O bebé sente que pode experimentar o mundo em segurança… E de tal forma assim o é que geralmente olha para os pais em busca de confirmação quando se aproxima ou pega num objeto que os pais já lhe haviam dito que não podia mexer porque se pode magoar ou quando pretende que lhe expliquem como funciona determinado objeto.
Como mãe, diria que estes seis meses são de puro deslumbre para os pais pela cadência da conquista de novas competências do bebé! Parece que a todo o instante, o bebé nos mostra algo novo, fazendo-nos sentir que é o bebé mais esperto e inteligente e capaz do mundo! E como esse olhar de deslumbre e de orgulho é fundamental para a autoestima do bebé… Como o brilho no olhar dos pais, o riso que emitem, as palminhas que batem, o fazem sentir especial e que fez algo muito interessante! O que o estimula a continuar!
Penso que isto sucede, porque ao desejo epistemofílico (de conhecimento) do bebé corresponde uma atitude pedagógica dos pais. Quando falo em atitude pedagógica dos pais, estou a referir-me ao impulso natural dos pais em apresentar o mundo (natural e humano) ao seu bebé, por um lado, e em “seguir” a curiosidade do bebé no seu processo de conhecimento, por outro. Efetivamente, penso que após uma primeira fase em que é o adulto que “comanda” o processo de conhecimento (nos trimestres anteriores), nestes trimestres é o bebé que comanda, sendo cada vez mais explícito sobre as coisa que quer ver, mexer e experimentar.

O papel do adulto é, pois, a meu ver, “seguir” o bebé, empatizando com o seu desejo, dando-lhe espaço à repetição que precisa para assimilar e acomodar os novos conhecimentos. Mas o seu papel não se esgota aqui: pode e deve deslumbrar o seu bebé com mais uma informação sobre o objeto que ele está a explorar… estimulando o seu desejo de explorar. Para depois se deslumbrar com o lado de investigador minucioso que o seu bebé tem!

Trata-se, pois, de conceber o adulto como o veículo privilegiado da aprendizagem do bebé sobre o mundo que será o seu à medida que cresce (e que os pais envelhecem). Trata-se de conceber o adulto como o transmissor de valores e de ensinamentos que vão ajudar o futuro adulto, agora bebé, a gerir o mundo relacional e natural. Por isso, vejo o respeito pelo bebé como a base de toda a interação com este.

E estou, ainda, a referir-me ao prazer que todos têm nesta interação! É a alegria, o espanto e o estímulo genuínos demonstrados pelos pais na sequência de um comportamento espontâneo do bebé que gera, neste último, o prazer de o repetir e de mostrar o que consegue fazer aos pais. Claro que isso às vezes é cansativo para os pais. Sem dúvida. Apanhar vezes sem conta objetos do chão, enunciar objetos inúmeras vezes à medida que o bebé aponta, andar curvado para ajudar o bebé a andar sempre que lhe apetece, repetir uma certa brincadeira ao vermos o olhar brilhante do bebé e um riso a desenhar-se nos seus lábios quando passa por um sítio onde costumamos fazer essa brincadeira com ele, pode cansar. Mas é assim que aprendemos. Todos nós. Pela repetição e pelo prazer que sentimos pelo desafio intelectual e motor, mas sobretudo pelo sentimento de crescente intimidade com os nossos pais!

Pode não ser fácil, é certo, mas julgo que é tanto mais possível quanto mais nos permitimos a ver o mundo com os olhos do nosso bebé interno e/ou que nos permitimos ser “invadidos” pelo olhar do nosso bebé. Ou seja, a olharmos para as pessoas e objetos como se fosse a primeira vez e darmo-nos conta do que podem fazer, da forma, do brilho, da textura, do toque de tudo o que nos rodeia… e de como isso é deslumbrante!

P.S. Dedico este texto à minha filha, desejando que o possa ler daqui a uns anos e nele reconhecer o “sentir” da nossa vivência comum ao longo deste primeiro ano da nossa vida como família.

Poema da autora

Quando sorriste para ti…
Quando o bebé começa a perceber que existe como alguém e que é objeto de um amor inigualável por parte dos pais, um novo impulso para o desenvolvimento acontece! Ilustro esta questão através de uma espécie de poema que escrevi aos cinco meses da minha filha.

Bebé
“Mãe/Pai,
O que vejo quando olho para os teus olhos?
Quem vejo refletido no teu olhar?
O que sinto quando me olhas?
O que sinto que tu sentes quando olhas para mim?
Saberás, porventura, da importância do teu olhar para mim?»

Resposta da mãe
“Sim, minha filha, sei-o. Quando olho para ti e vejo a atenção que colocas em mim e no meu olhar, compreendo logo o quanto sou importante para ti. Compreendo o quanto o teu florescimento depende do meu amor, da minha alegria, do meu orgulho em todos os teus pequeninos gestos. E à medida que cresces, apercebo-me o quanto a minha maneira de ser, contigo e com os outros, influencia a formação da tua personalidade. Sabes quando me apercebi claramente disso? No dia em que deixaste de olhar e rir para a minha imagem refletida no espelho e passaste a olhar e a rir para ti mesma refletida no espelho. Para ti - que sempre tinhas estado ali, ao meu lado, no meu colo, mas que ainda não te tinhas apercebido. Só olhavas para mim! E de repente, sorriste para ti da mesma maneira que eu costumo sorrir para ti. Reconhecias-te… porque havias sido reconhecida por mim. Vias-te agora, porque havias sido anteriormente vista por mim.”

O Pai Reinventado

Na Revista Pais & Filhos de Março de 2013, saiu um artigo sobre o Pai Reinventado, com a colaboração de Catarina Rodrigues, juntamente com Eduardo Sá e Leonor Balancho.

Trata-se de um artigo de Helena Gatinho que conjuga várias opiniões sobre o papel do pai na nossa época e que vale a pena pelas reflexões a que nos conduz!