Clínica da Criança

O nosso filho e a comida. Os pais à beira de um ataque de nervos...
A partir dos 12 meses, a hora da alimentação ganha lugar de destaque na relação, e por vezes não pelos melhores motivos. O facto de antes o bebé ter mamado bem não serve de prognóstico positivo para a mudança para os alimentos sólidos. De facto, em situações de desenvolvimento saudável, na análise desta questão, não é a alimentação que está no cerne, mas a idade da criança, melhor dizendo, o crescimento da sua noção de competência e de autonomia. Quando falamos de alimentação, de sono, de deixar as fraldas, estamos sobretudo a falar da formação da identidade da criança e da aquisição da sua noção de competência e de autonomia. Crescer é sobretudo saber exprimir a sua vontade! Esta é uma aprendizagem que tenho feito com as crianças com quem lido.
Somos seres de vontade e de desejo. Gostamos mais de umas coisas e menos de outras. Isso acontece quando temos 18 meses, 38 anos ou 78 anos. Mas, quando se trata do bebé parece que as regras de compreensão do comportamento deveriam necessariamente mudar para uma ausência do querer próprio, como se o bebé fosse uma tábua rasa onde os pais vão inscrevendo todas as aprendizagens do mundo, para que depois o bebé possa escolher. Porém, não existe tal coisa como tábua rasa. Quando olhamos para um bebé ou para uma criança, não nos podemos esquecer que estamos a olhar para um ser em devir! Ou seja, para um ser que está a crescer e a transformar-se constantemente até chegar a adulto (e mesmo aí a mudança não termina). Vida é mudança!

Janeiro de 2011
Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

O nosso filho e a comida. Os pais à beira de um ataque de nervos 2

Voltando à família que vos relatava. A mãe, preocupada, dizia-me que o filho não queria comer carne, preferia a fruta e o tomate, por vezes, também queria a massa. A sua preocupação era que ele não comesse o suficiente e tivesse com fome mais tarde, alterando as rotinas diárias. Compreendo a sua preocupação, mas penso que a insistência e a pressão dos pais não ajuda. Em meu entender, pelo contrário, vão dificultar.


Quando nos colocamos no lugar da criança, percebemos que a hora da refeição não é igual para ela e para um adulto. Para ela, pode ser um momento de pura diversão e de aprendizagem e exploração. A comida apresenta-se em cores fantásticas, formas incríveis e sabores extraordinários, uns que gostamos mais, outros que cedo rejeitamos. Não nos sabem bem.

Quando a mãe daquele menino me foi explicando que ele comia bem no infantário, que ele gostava mais de determinados tipos de comida, que estava numa fase de grande exploração e de afirmação da sua vontade, percebi que, provavelmente, se o deixássemos fazer as coisas à maneira dele e lhe fossemos apresentando a comida com atenção à sua receptividade (e não insistindo), o seu comportamento em relação à comida mudaria. E assim foi. O menino primeiro comeu o tomate. Todo e até pediu mais. O outro prato, embora fosse massa com carne, ficava de lado, ignorado e rejeitado por ele. A mãe perguntou-lhe o que é que ele queria: se queria a massa ou se queria fruta. O menino apontou e agitou-se quando a mãe falou na fruta. A mãe preparou a fruta e deu-lhe. Mas, na mesa deixou também a massa e a carne.

E deixámo-lo escolher e fazer as misturas que quisesse. Não se sentindo pressionado pelos pais para comer, o menino sentiu-se mais livre para explorar a comida à sua maneira. De repente, víamos no prato da massa pedacitos de tomate e de fruta! O menino ia pegando nos pedacitos de alimento e inspeccionando-os com todo o cuidado, enquanto comia outros pedacitos, o que nos mostrava que aquele momento, para ele, não se limitava a um momento de alimentação. Tratava-se também de aprender… tocando e saboreando.

Aquilo que reflecti com esta família é que o respeito pela vontade do outro resulta em maior harmonia e crescimento da família. Neste sentido, ser sensível ao que o bebé nos comunica da sua vontade é fundamental para um sentimento de se ser compreendido… e isso gera, reciprocamente, respeito pelos pais e compreensão face à sua preocupação em que ele coma para que se sinta bem e cresça saudável. Explicar isso mesmo pode ser importante. Não se preocupe se o fizer através de palavras. Os bebés e as crianças pequenas percebem – de forma implícita, através do sentimento – a nossa intenção e preocupação com o seu bem-estar. A linguagem é um meio conhecido pela criança desde muito cedo na sua vida. Dentro da barriga da mãe ouvia os sons da sua voz e de outros que a rodeavam. As palavras – mesmo que indecifráveis – transmitem-nos emoções, sentimentos e intenções.

Janeiro de 2011
Catarina Rodrigues
Psicóloga clínica e Psicoterapeuta