Ou como a gravidez
impulsiona o sonho e a mudança
Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
A gravidez é um momento de
grandes transformações – físicas (na mulher) e psíquicas (na mulher e no
homem).
Quando a gravidez física vem na
sequência de uma gravidez psicológica, a disponibilidade emocional do homem/da
mulher para ser pai/mãe é potenciada. Neste caso, o anúncio da gravidez pode
tornar real um desejo que povoa o imaginário daquele homem e daquela mulher,
onde o bebé já existe, é amado e investido. Mas é quando se vê “grávida” no
teste de gravidez que esse desejo potencial desabrocha. Não significa, porém,
que não exista inicialmente um impacto emocional dessa informação dentro do
psiquismo do próprio. Muitas reacções são possíveis, todas transportando um
misto de deslumbre, alegria, medo, responsabilidade, noção de mudança de vida
para sempre.
Alguns casais não sentem este
deslumbre logo no início e até podem não estar disponíveis para falar da
gravidez. Em muitos casos, essa aparente indisponibilidade reflecte a grande
elaboração mental que se está a fazer sobre as implicações em si mesmos, ao
nível do casal, da vida profissional e da vida social que o futuro nascimento
daquele bebé acarreta...
É importante respeitar o ritmo
com que cada um vive a gravidez. São 9 meses de profundas transformações e de
grande descoberta pessoal e do casal. Que se possa viver um mês de cada vez!
Gostaria de sublinhar que
habitualmente a grávida está bastante disponível para partilhar a sua
experiência. Eu diria mesmo que muitas vezes está desejosa. E não estou a
pensar particularmente na partilha da sua felicidade, mas sobretudo no desejo
que tem de falar com alguém sobre os seus sentimentos e pensamentos sobre o
medo que sente, sobre as suas dúvidas, sobre o que pode fazer para cuidar o
melhor possível de si e da “sementinha de vida” que se implantou no seu útero. Sobretudo
quando se trata de uma primeira gravidez.
Da minha própria experiência, não
existem muitas respostas a este nível para a grávida recente. Existem muitos
cursos de preparação para o parto, mas estes são dirigidos a grávidas a partir
das 24 semanas e, como o próprio nome indica, focados na preparação física e
mental para o momento do parto.
Contudo, penso que deveríamos também
falar de preparação para a parentalidade e de potenciação da disponibilidade
emocional parental, proporcionando à grávida e ao casal um espaço e um tempo de
escuta e de esclarecimento das suas questões. Um espaço que promoveria, então,
a disponibilidade emocional dos futuros pais para auscultarem as emoções que
emergem dentro de si, por vezes de forma bastante avassaladora e intensa, as
clarificarem e transformarem em pensamentos. Mencionei no artigo anterior (Vinculação
e Adoecer Infantil) como a disponibilidade emocional parental se encontra
relacionada com a história de vida da pessoa, a sua maturidade e a relação de
segurança/confiança com o companheiro. A escuta atenta e empática pode auxiliar
a que a grávida e seu companheiro encontrem dentro de si mesmos os ecos do
passado que a gravidez sempre traz e os possam trabalhar, de modo a que, no
futuro contacto com o bebé, se sintam livres e espontâneos para amá-lo como ele
é, reconhecendo a sua individualidade, e não projectando para ele as suas
próprias emoções e desejos.
Neste sentido, penso que se
deveria oferecer à grávida e ao casal uma relação de ajuda assente no holding, no sentido em que Winnicott o
definiu, isto é, de estar com o outro psicologicamente, imaginando o que se
passa dentro dele e estando ao seu lado, aguardando com ele e ao seu ritmo que as emoções se tornem pensáveis na sua
mente. E sempre, acrescento, com um olhar de esperança e de resolução por parte
de quem acompanha.
Foi com este propósito que eu e a
minha colega Rosa Pires criámos o espaço «Grávidas em Estado Zen», dirigido a
grupos de grávidas ou a grávidas e seus companheiros, e cuja informação pode
ser encontrada no site do Consultório de Psicologia.
Eu própria quando engravidei defini
com ela uma periodicidade para podermos falar de sentimentos, de dúvidas, de
medos, que eu própria não encontrava eco em nenhum outro sítio. Nas consultas
médicas, o espaço para falar das emoções é reduzido e aos livros sobre o tema
falta-lhes o ingrediente principal: o calor, a aceitação e a intimidade da
relação presencial com um outro.
E por experiência própria
constatei que, à medida que fomos falando sobre o que se passava dentro de mim
e que me fui sentindo aceite e compreendida e tranquilizada, foi crescendo o
sentimento de competência e a alegria eclodiu.
É no encontro prazeroso/amoroso
com o outro que nos expandimos como pessoas. São momentos onde predomina a
sintonia, a sincronia, a contingência na relação e que nos fazem sentir
alegres, entendidos e, assim, curiosos face ao outro e face ao mundo que nos
rodeia, estimulando o nosso cérebro e ampliando as nossas emoções! Fazendo-nos
sentir capazes porque assim nos sentimos espelhados na mente desse outro
significativo.
A gravidez impulsiona o sonho!
Da minha própria experiência,
nesse momento actualizam-se várias imagens.
- O bebé sonhado
A gravidez é um momento de um
enorme turbilhão interior, em que tudo é pensado e colocado em causa, dando
conta da grandeza das transformações internas e da adaptação à nova realidade
que se vai fazendo dentro do próprio. Até porque o bebé despoleta o sonhar na
mente parental. Sonhar-se como pai e mãe, sonhar a relação que se vai criar com
aquele filho, sonhá-lo. Desejar-se fazer diferente com aquele filho do que
aquilo que se recebeu. Desejar-se, por ventura, fazer melhor. Mas, para que
isso seja possível é necessária a consciência da sua própria história. Afinal,
é esta que dá significado ao sonho, ao projecto…
Por um lado, há o sonhar aquele
bebé que se está a formar, projectando-o num futuro pessoal (que
características terá?; o que poderá herdar geneticamente?; e o que pode
adquirir na relação connosco?), relacional (como será na relação connosco?) e
de vida (sonhando-se o seu desenvolvimento para o futuro). Penso que neste bebé
sonhado, há a recuperação viva de si próprio enquanto bebé e a consciência das
coisas que correram bem e das que correram menos bem, numa perspectiva de se
fazer diferente com o bebé que aí vem.
Neste sentido, em meu entender,
este pensar o bebé assenta na possibilidade de se poder pensar a si próprio e à
sua história. Saber que se alberga um bebé é uma oportunidade para se pensar em
si mesmo enquanto bebé e na relação de infância vivida com os pais. É também um
momento de contacto com o bebé ideal e a gravidez ideal, que se vai mitigando
pela imposição da realidade, transformando-se no desejo de oferecer os melhores
cuidados possíveis ao bebé.
Por vezes, a pessoa pode
confundir-se com o bebé sonhado, projectando para ele emoções que fazem parte
da sua história pessoal. Muitas vezes, tal pode resultar numa forma de
compensação das falhas que viveu, desejando e fazendo para aquele bebé o que
não se teve; noutras poderá tratar-se de uma hemorragia da sua ferida psíquica,
contaminando a história nascente daquele bebé. Nestes casos, é a personalidade
do futuro bebé e o seu self autêntico
que estão em risco.
A existência de traumas podem,
pois, impossibilitar este sonhar. Dentro do próprio, ainda vive o pesadelo e a
dor. Nesses casos, é muito difícil sonhar aquele bebé. Pode até ser impossível
sentir a própria gravidez… O contacto com o bebé uterino faz reviver as feridas
do passado que, não tendo sido elaboradas, continuam a magoar de forma viva.
No desenvolvimento saudável de
uma gravidez vai crescendo a capacidade de pensar o bebé, à medida que o
crescimento da barriga, os movimentos do bebé e a proximidade do parto o vão
tornando cada vez mais real. Os cuidados que a grávida tem para consigo, ao
nível das consultas médicas, da alimentação, do cuidado da pele, da ginástica,
traduzem, a meu ver, esta disponibilidade emocional, na medida em que esses
cuidados não são apenas realizados a pensar em si mesma, mas, e
fundamentalmente, a pensar no bem-estar e no desenvolvimento do seu bebé.
Mais tarde, a construção do
quarto do bebé e a compra das suas roupas dão concretude e espelham o
investimento dos pais no ser que aí vem. Prepara-se o ninho exterior, na
expectativa de acolher bem o bebé e lhe proporcionar um espaço físico que lhe
dê tranquilidade e equilíbrio, conforto e bem-estar, para que continue a
crescer bem e saudável!
- O casal em transformação
Desde que se sabe da gravidez, a
“sementinha de vida” que será o filho de ambos entrepõe-se em todos os gestos e
atitudes, comportamentos e decisões, na medida em que o bebé é presença
constante e viva na mente de ambos.
Da parte do homem, a atenção
prestada à sua mulher e o desejo de estar em contacto com a “barriga”
permitem-lhe participar nas transformações que ocorrem na mulher e manter-se
próximo e em contacto com o seu filho: senti-lo e imaginá-lo.
Para a mulher, esta atenção por
parte do homem é fundamental. Neste momento de transformação de filha para mãe,
a sua procura de atenção por parte do companheiro pode refletir um desejo de
mimo e de atenção que pode parecer regressivo. Não o é, contudo. A mulher pode
manifestar comportamentos mais frágeis e infantis… que no fundo apenas
expressam o seu desejo de atenção, de conforto e de aconchego… o holding de Winnicot que dá segurança de
que vai ultrapassar a ansiedade e o medo (naturais), à medida que vai ganhando
maior consciência das suas competências como futura mãe.
Quanto a mim, esse desejo de
atenção e de mimo é natural, e observa-se mais no 1º trimestre da gravidez,
quando a elaboração da notícia ainda se está a fazer. Quase sempre, precisamos
de dar um passo atrás para dar outros em frente. E o cuidado com que o homem
trata esse desejo de atenção, de carinho e de mimo dão confiança e segurança à
mãe de que tem a seu lado alguém preparado para cuidar. No momento em que se
prepara para ser cuidadora, é bom sentir-se cuidada e mimada. Dá-lhe a certeza
de ser presença amada na mente do seu companheiro.
A gravidez impulsiona a mudança!
Por outro lado, para cada membro
do casal, esta é também uma oportunidade para se projectar no futuro, como mãe
ou pai, e se sentir a grandeza do desafio que se tem pela frente e
questionar-se das capacidades próprias e das do parceiro. Há o pensar sobre o
próprio e sobre a sua vida, que deixará de ser a mesma para sempre, e sobre a
relação com o companheiro.
É uma altura de grande
crescimento para o casal e de amadurecimento da sua relação. O bebé de ambos
traz nova força à ligação que já os unia, fortalecendo-a. A partir daquele
momento, há um laço que os unirá para sempre. Muitas vezes, é uma altura em que
o casal passa a estar mais à-vontade para dizer aquilo que realmente pensa e
quer um ao outro. O bebé de ambos concorre para uma maior autenticidade. Já não
se tem tanto medo de perder. O bebé traz uma sensação de cimentação da relação.
Neste sentido, potencia a partilha dos sonhos, dos receios, dos projectos. E
não só em relação ao bebé. Saber que se vai ser pai abre a hipótese de uma nova
etapa na vida do sujeito. Analisa-se o percurso de vida e existe uma nova motivação
para se lutar por uma vida melhor. Efectivamente, muitos são os pais que
referem ter realizado mudanças na sua vida por esta altura, nomeadamente no
sentido da concretização de “projectos-sonhos” que estavam guardados numa
gaveta e não implementados por receio ou conformidade.
A mudança que é ser pai introduz,
pois, a possibilidade de se efectuarem outras mudanças. O bebé que aí vem traz
consigo uma enorme motivação para se mudar a vida e torná-la melhor e mais
satisfatória. Além disso, assenta a noção que se deixou de ser filho. Vai
ser-se pai. E isso traz novas responsabilidades e a vontade de se aceder a esse
novo estatuto, onde predomina a vontade própria e a auto-determinação. Ser-se
pai é, em última análise, uma oportunidade para se tornar adulto de pleno
direito. É desejar não estar submetido à vontade de outrem. É desejar dar voz
ao seu íntimo e deixar florescer e incrementar as suas competências. É deixar
de se ver como dependente e fruto de cuidado e orientação de outrem, para se
consciencializar da sua capacidade de cuidar e construir a sua vida de acordo
com os seus sonhos e projectos e, agora, em prol de um outro ser que tanto
significa. De acordo com a definição de Coimbra de Matos sobre a construção da
identidade, ser-se pai pode ser uma oportunidade para se auscultar a sua
identidade idiomórfica, isto é, a identidade cimentada no conhecimento de si
mesmo por si mesmo e ter a coragem de agir em conformidade.
Provavelmente, nem sempre temos
consciência destes pensamentos, outros não teremos efectivamente consciência,
mas eles são como os pauzinhos que os passarinhos trazem para construir o
ninho. Vão forrando o útero psíquico em que se instala o bebé mental.
DEIXEI MINHA CASA NA OITAVA SEMANA DE GESTAÇÃO. ME SINTO MUITO TRISTE, AGONIADA. FICO IMAGINANDO COMO VOU CRIAR MEU FILHO. EU E MEU MARIDO TEMOS MUITOS PROBLEMAS E NÃO NOS ENTENDEMOS. SINTO-ME MUITO SOZINHA E NÃO QUERO CRIAR MEU FILHO DESSA FORMA MAS NÃO SEI O QUE FAZER. TEM ALGUÉM PASSANDO POR ISSO, OU QUE JÁ ENFRENTOU ESSE TIPO DE SITUAÇÃO?NESTE MOMENTO, ESTOU NA CASA DA MINHA MÃE, SINTO FALTA DELE, MAS NÃO DE NOSSAS BRIGAS QUE ESTAVAM CAUSANDO MUITO MAL À MINHA SAÚDE E POR ESSE MOTIVO EU TINHA MEDO DE PERDER MEU BEBÊ. NÃO SEI O QUE FAZER. SE ALGUÉM PUDER ME AJUDAR.
ResponderEliminarQuerida Michelle, Como você está? De onde você é?
EliminarOlha, minha irmã passou por um problema bem parecido. Porém o desfecho não foi bom.
Olha, você pediu uma ajuda, e o que posso oferecer, é conselho. O ideal, é que seu marido respeite seu estado de grávida. Olha, o que você deve pensar em primeiro lugar, é em seu bebê. Ele é totalmente dependente de seu estado físico e psicológico. Se a convivencia com seu esposo não é saudável, afaste-se.
Não quero assustar você, mas minha irmã, perdeu sua filhinha as 17 semanas de gestação. E a conclusão que se chegou, foi o estado de stress que ela passava, pois o inicio da gravidez, tudo ia bem com o bebê.
Inicialmente, os médicos disseram que era alguma má formação, mas após exames no corpinho de minha sobrinha, chegaram a conclusão, que ela poderia ter sido saudável.
Mantenha a calma, tente resolver com ele, mas você tem família, e esta está amparando você. Você não está sozinha. Qualquer coisa, poderá entrar em contato comigo...
Abraços,
Katia