por Catarina Rodrigues
Psicóloga clínica e psicoterapeuta
De forma mais ou menos discreta
tem-se vindo a assistir a uma mudança no papel do pai na família actual. Mas
como se deu esta mudança? Que forças nela operaram e operam?
Numa relação de amor, o filho é
fruto de um desejo de ambos, mulher e homem (tenha sido ou não planeado). Por
isso, hoje em dia, os casais dizem com um sorriso na boca que estão grávidos!
Alguma vez ouviríamos tal expressão em gerações anteriores?
Actualmente, os pais fazem
questão de ir com as suas mulheres às ecografias, participam nas compras para o
futuro bebé, e desde cedo começam a pensar como vão organizar as suas vidas
para poderem oferecer uma relação afectiva de qualidade aos seus filhos. Muitos
são os que querem estar presentes no parto e, nos partos vaginais, cortar o
cordão umbilical. Afirmam que é uma forma de se sentirem mais próximos do seu
bebé logo desde o nascimento. Fazem questão de usufruir da licença de
paternidade e há aqueles que gozam a licença de parentalidade na totalidade, se
as mulheres têm de regressar ao trabalho após a licença de maternidade
obrigatória ou mesmo se as mulheres estão em casa (no caso de terem trabalhos
por conta própria). E todos são unânimes em referir a importância deste tempo
único, primário com os seus filhos. De como se sentiram próximos e ligados aos
seus filhos, do sentido que esta vivência teve nas suas vidas, e de como isso
não tem preço.
Não sei bem explicar estas
mudanças (a sociologia deve ter uma palavra mais precisa a dizer sobre este
assunto), mas penso que têm a ver com a revolução que aconteceu no modo de ver
a relação amorosa, o amor e a expressão afectiva. Claro que a entrada da mulher
no mundo do trabalho e a consequente necessidade de divisão de tarefas domésticas
e familiares também influenciou esta mudança de ser homem/pai na sociedade
actual. Mas penso que terá sido sobretudo a mudança na vivência da relação
afectiva a responsável por esta mudança social e cultural a que assistimos.
Exprimir e demonstrar afectos de
amor deixou de ser um tabu nos homens. Passou mesmo a ser o normal e o desejável.
A expressão afectiva deixou de estar confinada às mulheres. Passou a ser
natural esperar que um homem exprima o seu amor e o seu carinho quer por gestos
inequívocos e concretos quer através das palavras. E penso que foi isso que
trouxe uma alteração na relação entre pais e filhos. O afecto tornou-se a base
da relação – de forma assumida/expressa, concreta, desejável e natural.
Neste sentido, a vinculação passou
a estar associada quer às mulheres quer aos pais (ainda que a mãe tenha,
geralmente, um papel de destaque na relação mais precoce. Contudo, sou da
opinião que não devemos cingir este papel primordial apenas à mãe, visto que há
pais que indubitavelmente são a figura de vinculação do seu filho, detendo, por
isso, uma função fundamental nos primeiros tempos de vida deste).
O paradigma do papel do homem mudou
de uma relação paterna educativa,
onde a autoridade e a distância afectiva imperavam, para uma relação de parental afectiva,
onde o amor e a intimidade são a palavra de ordem. Pai e mãe passaram a ter
funções de base afectiva e educativa semelhantes, ainda que diferentes e,
desejavelmente, complementares na relação com o seu filho. Espera-se que ambos
os pais sejam dialogantes, empáticos, afectivos, interessados, enfim,
cuidadores vinculados aos seus filhos. Algo que, anteriormente, se esperava ser
da órbita feminina, sendo até um desprestígio para os homens (então
caracterizados de efemininados ou demasiado sensíveis, ou seja, pouco homens).
Por outro lado, penso que esta
mudança de paradigma catapultou a reflexão sobre o modo como os actuais pais se
sentiram filhos, ou seja, o modo como sentiram a relação com os seus próprios
pais (homens), e de como sentem que isso se repercutiu nas suas vidas. Muitos
são os actuais pais que referem que desejam ter com os seus filhos uma relação
diferente, senão mesmo na antítese, daquela que os seus pais (homens) lhes
ofereceram, nomeadamente em termos de proximidade física e afectiva. São pais que
consideram que a sua proximidade afectiva ao filho é importante na construção
da personalidade deste. Por outro lado, assumem que a vivência plena da
paternidade lhes traz um sentimento de serem homens mais completos e
realizados.
Afinal, digo eu, os homens não
serão diferentes das mulheres no sentimento de completude, de realização
pessoal, de alegria e de sentido de vida que um filho proporciona. Não há amor
igual ao que se sente por um filho, sejamos homens ou mulheres, pais ou mães.
Essa assumpção plena e sem tabus é que é uma novidade nos pais da
contemporaneidade.
Neste sentido, à semelhança das
mulheres, muitos são os pais que sentem a concepção e o nascimento do filho
como uma alavanca para a mudança de vida – no sentido de uma libertação das
grilhetas de um percurso socialmente definido, em direcção a um futuro mais de
acordo com o que sente que é melhor para si e mais consentâneo com as suas
características e capacidades. Claro que os tempos de crise podem dificultar
esse salto em termos concretos… Mas observa-se pelo menos uma reflexão crítica
do que tem sido o percurso de vida próprio, pessoal e profissional, e se esta
está ou não de acordo com o que se deseja para si e se sente que lhe trará
realização.
Penso que podemos dizer, neste
sentido, que o nascimento de um filho motiva
um “segundo nascimento” nos pais. Também eles renascem com o nascimento daquela
nova vida, onde são projectados desejos e futuros.
Pai sente o mesmo que a mãe pelo filho?
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