Jornal Público (8 de Setembro de 2013)
Catarina Rodrigues
Brincar apaixonadamente com o seu
bebé é o modo mais natural de relação com este e aquele que melhor o ajuda a
crescer. O enamoramento tem a grande virtude de trazer um olhar mais tolerante
e menos exigente e torna o brincar/o prazer a base da relação. Contudo, nem todos
os pais se sentem à vontade para brincarem com o seu bebé. Provavelmente, não
souberam o que foi brincar com os seus próprios pais. E muito provavelmente,
com o passar dos anos, esqueceram o que sentiram e o que pensaram quando
crianças. Outros podem não ter esquecido, mas calaram a voz infantil para privilegiar
a voz de adulto (confundida com autoridade), provavelmente porque os faz sentir
mais seguros e confiantes.
Em meu entender, comunicar/brincar
com o seu filho depende essencialmente da sua capacidade para tomar contacto
com o seu lado infantil e para refletir sobre a sua experiência como bebé e
criança. Efetivamente, compreendemos melhor os nossos filhos quando a sua
comunicação (não verbal e verbal) encontra ressonância e empatia dentro de nós.
Ou seja, quando o nosso filho comunica diretamente com o nosso “bebé interior”.
Quando falo em “bebé interior”, refiro-me
à imagem que guardamos a partir da experiência que tivemos enquanto bebés, do
modo como sentimos a relação com os pais: o que guardamos do que foi bom (e é
para repetir) e o que guardamos do que não foi bom (e que pretendemos fazer
diferente ou, na ausência de consciência, projetamos para o exterior). Contudo,
esclareça-se, nem sempre tal imagem coincide com o bebé real que se foi na
infância, ainda que se encontre sempre em relação com ele.
O “bebé interior” tem a ver com o
nosso “eu” mais genuíno. É a expressão interna de uma matriz relacional assente
na expectativa precocíssima de um cuidado parental assente na tolerância, no
estímulo, na espontaneidade e no amor. Tal cuidado parental é reconhecido
precocemente, e de modo não consciente, pelo bebé, funda o psiquismo e
influencia de forma inequívoca o estilo relacional da pessoa. A sua ausência
faz surgir a resposta psicopatológica.
Quando em contacto com o nosso
“bebé interior”, ficamos mais aptos a compreender que muitas vezes somos
injustos, culpabilizantes, humilhantes, agressivos e intolerantes com os nossos
filhos, porque respondemos com uma contra-identificação ao seu lado infantil. Usamos
e abusamos da voz de adulto autoritário, porque temos pouca tolerância em
pensar sobre as razões porque os nossos filhos não fazem aquilo que dizemos. Talvez
tenhamos dificuldade em olhá-los como seres com vontade própria e capacidade de
escolha precoces. Talvez nos custe sabê-los como seres independentes e com
impulso para a autonomia logo desde o nascimento. Talvez nos sintamos
inseguros… e usemos a farda de pais porque precisamos sentirmo-nos importantes.
Aquilo que pretendo transmitir é
que, enquanto pais, podemos e devemos dar ouvidos à nossa voz infantil e comunicarmos,
brincando (a linguagem do bebé), com os nossos filhos com a liberdade e a
espontaneidade que estes possuem face ao mundo. Pode constituir, inclusive, a
oportunidade de expansão do seu “eu”, mais capaz de uma relação de maior proximidade,
liberdade, satisfação e amor.
Comunicando
através da voz da infância, percebemos que estar com o nosso filho não tem de ter
a tónica no educar, mas no escutar a sua vontade. É ele o nosso guia na
brincadeira, mostrando o que quer conhecer/explorar/brincar. Sentemo-nos no
chão com ele. Andemos atrás dele a ver o que nos quer mostrar. Olhemos com o
olhar infantil e deslumbremo-nos com a luz, a cor, a forma das coisas em que o
nosso filho toca e toquemo-las como ele o faz. E novamente crianças, damos por
nós a sorrir, maravilhados como ele. Depois, como se de mágicos nos
tratássemos, podemos desvelar-lhe mais potencialidades dessas mesmas coisas. E
colocar mais brilho nos seus olhos, vivos e ávidos de novos conhecimentos.
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