Vinculação insegura. Insegurança para a Vida?
https://www.publico.pt/2014/11/02/sociedade/opiniao/vinculacao-insegura--inseguranca-para-a-vida-1674848
Catarina Rodrigues
Publicado originalmente no Jornal Público, 2 de Novembro de 2014.
Interessam-me as
questões de como o estilo relacional parental contribui para a formação da personalidade
do sujeito. “Quem eu sou” está, numa primeira fase da vida, associado aos
cuidados parentais e às projecções dos pais. O modo de interagirem com o filho,
física e verbalmente, consciente e inconscientemente, contribui para a
definição da identidade do próprio. “Eu sou” na continuidade da relação com as
minhas figuras significativas. Não quero com isto dizer que “eu sou o que as
minhas figuras de vinculação atribuem que eu sou”, mas realçar que “eu vou
definindo quem sou na interacção com
aquilo que atribuem que eu sou e as minhas características, no momento
presente”, isto é na complexa relação biológico, psicológico e relacional
(epigenética).
O bebé pode sentir
os cuidados dos seus pais como adequadamente responsivos às suas necessidades e
o seu “eu” tem mais possibilidade de se desenvolver de forma genuína, ou pode
sentir a relação dos seus pais para consigo como desadequada, não confiável,
frustrante ou intolerante e o seu “eu” sente-se bloqueado, inibido ou
distorcido. O seu desenvolvimento fica em suspenso. Face às necessidades insatisfeitas
existe uma intuição do tipo de resposta necessária, o que o sujeito pode viver
de forma mais proactiva, virando-se para o mundo relacional exterior,
procurando tipos de relação alternativos, ou de forma menos saudável,
isolando-se socialmente, inibindo oportunidades e mudanças, bloqueado pela
acção inconsciente da tríade culpa, sentimento de inferioridade, inflexão da
agressividade (“sou eu que não presto ou sou eu que sou muito exigente, não são
os outros que não me correspondem bem”).
A culpa e os
sentimentos de inferioridade, decorrentes de uma vivência muito crítica e
desvalorizante dos insucessos e mesmo dos sucessos (geralmente sentidos como
aquém das expectativas), debilitam a auto-estima e enredam o sujeito num verdadeiro
novelo de sofrimento interno. Sente-se incapaz, por vezes mesmo miserável por
não ser capaz ou por sentir pânico de fazer coisas ditas simples. O que
concorre para um sentimento de dependência, geralmente inconsciente, face à
iniciativa/cuidado/interesse do outro. Por exemplo, o sujeito sente-se infeliz
por ninguém estar disponível para ele e não se dá conta que ele próprio não toma
iniciativa ou que protela decisões. Permanece à espera do entusiasmo/incentivo
do amor parental, agora deslocado para outras pessoas significativas da sua
vida. Por isso mesmo, a crítica, a rejeição ou a desilusão do outro têm um
efeito devastador no sujeito. Assentam em terreno fértil e o sujeito tem
dificuldade em se defender (deflexão da agressividade para o exterior) ou
manter intacta a sua auto-imagem (resiliência).
Nem todos os pais
beneficiam de um sentimento de segurança básica em si mesmo que lhes permita
transmiti-la aos seus filhos. A vida pode ter sido madrasta com eles e ter-lhes
impedido de se desenvolverem de forma completa e segura. Apesar do seu amor
pelos filhos, não são capazes de se descentrarem das suas próprias necessidades
insatisfeitas. Encerrados em si mesmo (por vezes, passando uma vida inteira a
procurar compreender-se e compreender os outros), é-lhes difícil empatizar e
reconhecer como diferenciadas as necessidades de um outro.
Uma
vinculação insegura promove um estilo inseguro de relação com o mundo e
traduz-se num factor importante de limitação da vida da pessoa. Existe uma
sensibilidade extrema a situações de mudanças, separações, viagens, desafios,
assente num medo do abandono, da perda, da mudança. Repará-la requer
perseverança e sobreviver a uma crítica interna feroz e esgotante; traçar o
caminho de se assumir como agente competente para a sua vida, aceitando
sucessos e insucessos; e libertar-se da idealização do outro, derivação da
necessidade da boa relação parental precoce insatisfeita, para se lançar à
conquista e descoberta de si.
ótimo post
ResponderEliminarparabéns pelo blog