Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica,
Psicoterapeuta
Seguindo o ritmo do bebé – o mimo é importante!
As questões sobre a independência
e autonomia do bebé suscitam debates apaixonados entre aqueles que acham que o
mimo cria “manha”, senão mesmo um bebé ditador, e que tem consequências ao
nível da capacidade de autonomia futura, e aqueles que consideram o mimo como um
modo natural de relação com o bebé e que é este que constitui a base onde
assenta o crescimento para a independência e autonomia.
Sempre me considerei pertencente
ao segundo grupo de opinião e desde há muito que me interrogo do porquê desta
exigência face aos bebés. Agora, por ser mãe recente, estas interrogações
ganham redobrada força e novas reflexões.
Todos nós já ouvimos, certamente,
alguém dizer, diante da tríade pai/mãe-bebé: «Não dês tanto colo. O bebé fica
mimado e cheio de manha e não vai querer outra coisa. E é mau para o seu
desenvolvimento». Questiono-me, contudo, que sabedoria popular ou que estudos
científicos comprovam que o colo, na fase mais precoce do ser humano, prejudica
o seu desenvolvimento? Que exemplos temos de crianças-problema que tenham
“sofrido” do dito “colo a mais” em bebés?
Da minha experiência, leituras e
reflexão, as patologias e as perturbações emocionais do desenvolvimento surgem em
reação a um quadro de relações precoces problemáticas, onde faltou uma relação
de amor clara, inequívoca, mútua, generosa e caracterizada pelo respeito
(incluindo o respeito pelo ritmo do bebé), reconhecimento da individualidade e
das potencialidades da pessoa.
O papel dos pais desvela-se na
disponibilidade para a construção de uma relação de intimidade, assente na observação
atenta e sensível do seu filho, procurando que as suas respostas sejam
contingentes, adequadas e empáticas às necessidades e competências daquele. E
para tal, basta estar atento ao bebé e levar a sério as suas manifestações. Ou
seja, considerá-las como comunicação
relacional.
Efectivamente, o choro e o
comportamento corporal nos bebés são meios de comunicação de alguém que ainda
não tem capacidade de pensar-se e de falar. Partilho a ideia de que o choro e o
comportamento corporal têm significado relacional e que é função dos pais
procurar descodificar e significar através da resposta adequada. O bebé ao
chorar está a comunicar com os meios que conhece e estão ao seu alcance.
Ou seja, desde que nasce e começa
a sua relação com os seus cuidadores preferenciais, normalmente os pais, o bebé
inicia o seu processo de comunicação e de adaptação ao estilo de comunicação e
de cuidado que esses cuidadores lhe oferecem. Trata-se de um comportamento
geneticamente definido e cuja relação com outros humanos molda e potencia.
Efectivamente, somos seres sociais e, desde que nascemos, procuramos a relação
com outros humanos. É nessa relação que nos sentimos amados, entendidos, desafiados
e que aprendemos e crescemos como seres humanos de pleno direito.
O recém-nascido apresenta, pois,
um repertório comportamental que estabelece a ponte entre si mesmo e os outros
humanos, preferencialmente os seus cuidadores, salientando-se o choro, o modo
como molda o seu corpo ao cuidador, a exploração que faz com as mãos, e alguns
sons que emite e que transmitem mal-estar/bem-estar ou até mesmo reconhecimento
do seu cuidador.
Não considero, pois, que o recém-nascido
esteja num estado de indiferenciação e que não reconheça o meio exterior como
tal ou que viva num estado simbiótico e fusional. Penso que o bebé, desde que
nasce, percepciona-se, ainda de uma forma imatura, a si mesmo e ao outro,
nomeadamente os seus cuidadores, relativamente a quem tem uma atenção
prolongada e diferenciada desde o momento do nascimento.
Efectivamente, depois de nascer e
quando é colocado ao colo da mãe, o bebé passa bastante tempo olhando para a
mãe e cheirando-a (sublinhando-se que o olfacto é um dos sentidos mais antigos
que possuímos). Ele reconhece a mãe pelo tom de voz. Este é um pouco diferente
daquele que ouvia no útero, mas a cadência do discurso é a mesma. Agora, decora
o seu rosto, o seu cheiro, molda-se ao seu colo. A mãe sente-se scanerizada e
está ela própria num estado de vigília invulgar (devido às hormonas libertadas
no parto), incapaz de desviar o olhar do seu bebé, em relação a quem decora
todos os traços e em relação a quem procura perceber as suas necessidades,
“adivinhando-as” no seu comportamento.
Considero, pois, o bebé como um
parceiro visivelmente activo na relação com os seus pais desde o momento em que
nasce, manifestando uma série de comportamentos que procuram comunicar as suas necessidades fisiológicas
e emocionais (ainda no útero, já esta comunicação se adivinha: o bebé reage às
vozes dos pais e à estimulação táctil na barriga). Comunicação biologicamente
determinada, pois dela depende a sobrevivência (não é por acaso que a sabedoria
popular diz: «Bebé que não chora, não mama»), e cujas características se vão
firmando na interacção bebé-pais, pois é nesta interacção que ganham sentido. Ou
seja, o bebé aprende com as respostas
que os pais lhe dão às suas necessidades e competências. E assim se constitui
pessoa!
Ora, as necessidades de um bebé,
como de qualquer ser humano, não se esgotam no sentir-se saciado, limpo e com
boa temperatura corporal. Nem a mãe não se torna única e especial por dar o
leite. Não é isso que torna os pais imprescindíveis. O que os torna únicos é a
qualidade do amor que sentem pelos filhos. Ou seja, é o mimo que votam ao seu
rebento. Um amor que a sabedoria popular classifica como laço de sangue e lhe
confere uma qualidade distintiva no trato que se dá ao bebé. Este laço de
sangue, laço geneticamente enraizado, transforma o olhar dirigido ao bebé (não
é um bebé qualquer; é o meu filho, é uma parte de mim e de mim depende a sua
sobrevivência) e inunda os pais de uma imensa disponibilidade para amar.
Diante de um bebé recém-nascido é
natural, por parte do adulto, a reação
de o agarrar, tocar, embalar, olhar/observar, contemplar, mimar, sobretudo se
for pai desse bebé. Não se trata apenas de uma reação espontânea de amor face
ao bebé, trata-se também de uma resposta complementar ao comportamento do bebé,
nomeadamente o choro. Com efeito, quando o bebé chora, os pais têm o impulso
natural de lhe pegar e envolver. Quando penso nisso, constato a maravilhosa
complexidade e sabedoria da natureza: à imaturidade do bebé corresponde a
resposta natural do adulto em agarrar, cuidar, acalmar, ensinar.
Quem sabe qual a boa dose de
mimo? Aquela dose suficiente, que bem responde às necessidades de segurança, carinho,
aconchego, conforto, proximidade física e emocional do bebé? Não sei se alguém
sabe, mas a maioria das pessoas afirma “saber” que a “dose” dada pelos pais é a
mais. O mimo parece sempre ser em dose demasiada… Desde que nasce, e às vezes
ainda antes, o bebé, pela interposta pessoa dos seus pais, é confrontado com
uma série de ditames que afirmam que deve ser o mais rapidamente possível
auto-suficiente, autónomo, responsável e sério.
Porque exigimos tanto dos bebés?
E de seus pais? Porque se pretende que a resposta espontânea e natural dos pais
não seja a mais adequada ao bebé?
Neste sentido, será que a questão
do mimo deverá centrar-se no quanto
(quanto mimo) ou no quando (até
quando o bebé precisa deste tipo de mimo)?
O ritmo do amor não tem regras pré-determinadas e fixas
Esta é uma fase em que mãe e recém-nascido
querem, precisam, estar juntos, em íntimo contacto pele a pele. Prolongam a
simbiose que conheciam quando aquele bebé estava no útero materno. A separação,
normalmente, é sofrida para ambos. Para a mãe, é bom, volvidos 9 meses, ter o
seu bebé ao colo e poder tocar-lhe e transmitir-lhe, através do seu toque, do
seu olhar, da ternura na sua voz, o quanto o ama. Para o bebé, estar no colo da
mãe, sentindo-a, cheirando-a e olhando-a, confere um sentimento de continuidade à sua vivência. Esteve toda a sua vida
unido intimamente àquela pessoa, ela é toda a realidade que conhece, que
manter-se perto dela confere segurança, confere um sentimento de continuidade
na sua experiência de vida.
Neste sentido, questiono-me
porque tanto se culpabilizam as mães e os pais por quererem ter os seus filhos recém-nascidos
“24 horas” perto de si e nos seus braços. Não se trata, a meu ver, de um perigo
para a independência do bebé; trata-se, sim, de um comportamento sensível por
parte dos pais, que mantêm coerente e una a experiência do bebé que acabou de
sair do útero de sua mãe e que se sente perdido longe da mãe e do pai. E esta
necessidade mantém-se, ainda que com gradações diferentes, ao longo do percurso
de deixar de ser bebé e tornar-se criança.
Esta necessidade justifica-se, em
meu entender, pelo facto de mãe e pai funcionarem como “prolongamentos” do
bebé. Incapaz de suprir sozinho as suas necessidades, o bebé chama os pais. E
chama-os porque tem fome, porque tem sono, porque tem frio/calor, porque quer
conforto, porque quer carinho, quer companhia. Quando nasce, todas estas
sensações são avassaladoras e intensas. O bebé não as consegue ainda regular. De
modo que pode chamar os pais a todo o instante, acalmando-se quando no colo. É
a presença efetiva e afetiva dos pais que lhe traz o sentimento de segurança e
de confiança. O recém-nascido verifica que os pais respondem às suas
necessidades, trazem-lhe a certeza de não estar sozinho. Por outro lado, sente-se
tranquilo com o seu tom de voz, o quente do seu corpo e o ritmo do bater do seu
coração (bem conhecido no que diz respeito ao da mãe).
Pode ser uma fase bastante
exigente para os pais, sobretudo para a mãe, se o bebé estiver a ser
amamentado. Eu recordo-me que, no 1º mês de vida da minha filha, a minha
presença era necessária quase constantemente. Lembro-me bem de como isso pode
ser esgotante para uma mãe, pois não consegue descansar. Mas também de como não
se consegue agir de outra forma, pois o apelo do bebé é muito forte. E isto não
significa que este seja um ditador ou mesmo manipulador. Significa, sim, que se
exprime bem e que descansa quando reconhecem e respondem às suas necessidades.
Não é o que sucede connosco? Na ausência da boa e adequada resposta, fica a
frustração, a deceção… e o desenvolvimento fica em suspenso, à espera…
E é esta resposta pronta e afetiva
que vai ajudando o bebé a regular-se e a transitar do ciclo uterino para o
ciclo da vida no exterior. E é neste respeito pelo ritmo do bebé que a
independência e a autonomia vão acontecendo. Reconhecendo-se que aquele bebé já
é uma pessoa.
É, pois, minha opinião que os
pais se devem regular pelo ritmo do seu filho. Esse é o ritmo do amor. Não há
dois bebés iguais. Não há duas pessoas com necessidades iguais. Mas uma
necessidade todos temos enquanto seres humanos: crescer. E para isso,
necessitamos sentirmo-nos amados, reconhecidos e respeitados e que é no seio
desse amor que nos sentimos estimulados e incentivados a crescer!
Os pais emocionalmente
disponíveis intuem/sabem quando é necessária a sua presença junto do seu bebé.
Sabem-no porque conhecem bem as suas necessidades, atentos que estão a ele
desde que nasceu, mas também porque observam e constatam as suas capacidades
crescentes. Sentem que o seu filho progressivamente vai precisando deles de
forma diferente e que “aguenta” mais tempo sozinho. Está mais confiante e
seguro. É este o ritmo do crescimento: da base parental para o mundo. E este
ritmo é específico em cada bebé, sem comparações, culpabilizações ou
desvalorizações. Se se olhar para a especificidade de cada um, apenas podemos
ver as suas conquistas com orgulho e alegria!
Assim, o desafio é estar disponível
emocionalmente para se sentir e “ouvir” as necessidades e as competências
específicas daquele bebé. E não há pessoas melhores para o entenderem do que os
pais. Porque são as pessoas que mais amam aquele bebé, porque estão com ele 24h
por dia, porque, com sensibilidade, são as pessoas que vão descodificando o
ritmo de crescimento do seu filho, que vão notando os seus “imensos” progressos
e mudanças desde que nasce e o estimulam de forma sensível e contingente às
suas competências.
No fundo, seguir o ritmo do amor é
dar-se a si mesmo por inteiro à relação com aquele bebé. Dar-se de uma forma
inteira e plena, sem normas, nem constrangimentos – como nos damos quando
estamos apaixonados! Quem “dita” as regras é quem ama; não quem está de fora.
Esses normalmente são para ser contrariados.