Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
Há dias inesquecíveis para os
futuros pais. Um deles é o dia em que se sente o bebé mexer pela primeira vez,
sobretudo se se trata de uma primeira gravidez. Se as duas primeiras ecografias
já tinham permitido aos pais ver o seu bebé, dando-lhe forma e realidade
física, os movimentos do bebé no ventre materno trazem uma maior concretude e
realidade ao bebé que até agora imperceptivelmente se desenvolvia e crescia
dentro da barriga da mãe. Esta experiência é marcante para a mãe. Se
inicialmente podia ser estranho pensar que iria ter um ser a mexer-se dentro de
si, quando sente pela primeira vez o seu filho - que está vivo e cheio de
energia dentro de si - a emoção transborda e o amor continua a crescer… até um
infinito.
Numa experiência gravídica
“normal”, sentir o bebé a mexer-se dentro de si traz uma alegria muito grande
para a mãe. Pode, inclusive, tornar-se rapidamente numa via de comunicação
entre mãe e bebé. Não quero dizer com isto que o bebé comunique intencional e
conscientemente com o exterior através dos seus movimentos. Mas, para a mãe e
para o pai, estes movimentos são especiais. São como que um vislumbre do seu
filho, um apelo irresistível a tocar-lhe também. Por isso, quase sempre que o
bebé se mexe a mãe fala com ele e toca na barriga no(s) sítio(s) onde sente os
movimentos. Tenta descortinar qual a parte do seu corpo que está a mexer,
tentando perceber como ele está posicionado dentro da barriga. Comunica com
ele. Transmite-lhe com o seu pensamento, com a sua voz e com o seu toque o
quanto o ama e pensa nele. Transmite-lhe o quanto quer estar em relação com
ele, o quanto se quer dar a conhecer e o quanto deseja que o seu bebé sinta o
seu amor por ele.
O desejo de comunicar com o seu
bebé – percursor das interacções mais precoces – é enorme. Neste sentido, a mãe
e/ou o pai podem mesmo estimular os seus movimentos, pressionando a barriga,
cantando, falando para ele, colocando música, contando histórias, entre outras
formas de estimular, dependendo da imaginação dos pais. E vão descobrindo que o
seu bebé reage, o que os enche de satisfação e sensação de reconhecimento
mútuo, que alimenta o seu amor por aquele bebé. Neste sentido, penso que
podemos falar aqui de interacções precocíssimas
pais-bebé, na medida em que consistiriam no substrato afectivo e relacional
que alimentará as relações mais precoces, aquando do nascimento do bebé.
Ora, desde o momento em que a mãe
sente mexer o seu bebé, a sua experiência emocional sobre ele começa a
modificar-se. Progressivamente, o seu bebé torna-se uma presença constante na
sua cabeça. Ele adquiriu uma existência palpável. A esta experiência,
acrescenta-se o facto de ser neste momento, normalmente e se o desejarem, que os
pais ficam a saber qual o sexo do seu bebé. Então, este adquire uma identidade
e uma pessoalidade no discurso parental e familiar. Passa a ser nomeado no
feminino ou no masculino, muitas vezes pelo nome que os pais lhe vão dar, e
passa a ser sonhado nas roupas e na decoração para o quarto.
E o que começa por ser um pensar intermitente
sobre o bebé, torna-se uma omnipresença a partir do 6º/7º mês. A partir desta
altura, a mãe tem sempre o seu bebé na cabeça. O seu bebé tomou conta de grande
parte da sua energia mental. Claro que também pensa sobre o parto, mas o grande
foco da sua atenção e concentração é a chegada do seu bebé, preocupando-se em
prevenir o máximo que consegue as suas futuras necessidades. E aqui estamos a
falar de coisas como as roupas para os primeiros tempos, o quarto do bebé, as
fraldas, e um sem número de artigos para o bebé e para si mesma que até então
não faziam parte do universo da futura mãe e que envolvem, por isso, uma
aprendizagem e uma adaptação. E, claro, pensar como se vai adequar/ajustar profissionalmente
para a vinda daquele pequenino ser e que nos primeiros tempos tanto dela vai
precisar. Tudo isto causa grande ansiedade na mãe. São imensas mudanças, a
juntar a uma barriga cada vez maior e a pequenos “problemas” que advêm neste
período da gravidez, como o cansaço, o sono, as dores de costas, entre outros.
Até que se sinta tranquila, a mãe
pode parecer estar num estado alterado de humor… e muitas vezes assim o é.
Winnicott, grande pediatra e psicanalista inglês, cunhou a este propósito o termo
«preocupação materna primária» (1956/2000), querendo com isto significar um
estado particular de humor da mãe, caracterizado por «uma sensibilidade
exacerbada durante e principalmente no final da gravidez» (p. 401), que a vai
permitir colocar-se no lugar do seu bebé, antecipar as suas necessidades e
afinar-se de acordo com elas... e, acrescento eu, energizar quem está à sua
volta, nomeadamente o marido, para estas necessidades. O que sucede é que
grande parte da energia mental da mãe está canalizada para a preparação da
vinda eminente do bebé. A sua disponibilidade mental está focada no seu bebé e
nas suas possíveis necessidades.
Mas este é também um período de
grande reflexão interna na mãe. À imagem mais ou menos idealizada do seu bebé,
de si mesma e da relação entre ambos que pode ter aparecido no início da
gravidez, emergem agora imagens mais concretas e próximas da realidade. A
concretude da experiência de sentir o seu bebé dentro do seu ventre traz a mãe
ao plano da realidade que dentro em breve vai transformar para sempre a sua
vida. Se calhar, até aqui a sua mente derivava para muitas coisas e o
quotidiano habitual ainda era soberano na mente materna. Mas, com os movimentos
anunciantes do crescimento e da eminência do nascimento do bebé, a mente entra
no que vou designar estádio de preparação
para o nascimento do seu filho, em que o psiquismo vai “amadurecendo” para
enfrentar esta nova etapa.
Neste estádio mental, como já
referi, a mãe pode começar por preocupar-se com coisas mais práticas, como o
quarto e as roupas do bebé, a maternidade onde o quer ter, inscrever-se ou não
no curso de preparação para o parto, a mala para a maternidade, se vai ou não
optar por realizar a criopreservação das células estaminais do sangue do cordão
umbilical, os produtos de higiene para o bebé, o berço, o carrinho, o ovo e a
cadeira… São mesmo muitas coisas e existe uma oferta imensa para ocupar os pais
em decisões e contas familiares.
Mas, depois ou durante esta fase,
emerge outra… maior. A mãe entra em estádio de reflexão sobre o seu papel
materno e sobre o que recebeu da sua própria mãe e do seu pai. Emergem dúvidas
sobre a sua capacidade de cuidar do bebé, que deseja que seja preferencialmente
melhor do que a sua mãe fez consigo. Na minha opinião, de uma forma mais ou
menos consciente e/ou mais ou menos segura, todas as mães querem fazer melhor
pelos seus filhos e tratar deles de tal forma que eles sejam crianças saudáveis
psicologicamente e bem preparadas para a vida. Nenhuma mãe gosta de pensar que
pode não conseguir realizar este objectivo. Mas, quanto mais a contagem
decrescente a aproxima do dia, mais as dúvidas e o medo assaltam a mente
materna.
E se eu não consigo tratar/cuidar do meu filho? Saberei reconhecer e
responder às suas necessidades? Conseguirei ter a energia necessária para lhe
dar boas respostas? Saberei distinguir o que é melhor para ele? Vou conseguir
amamentá-lo? Como é que eu vou conciliar a minha vida profissional com as
necessidades do meu filho? Conseguirei trabalhar? E se eu precisar de trabalhar
cedo na vida do meu bebé? Posso não poder tirar os quatro ou seis meses de
licença de maternidade e ter de trabalhar mais cedo… Será que isso irá
traumatizar o meu filho? Prejudicará o seu sentimento de segurança e de
confiança no meu amor? Vou colocá-lo numa creche ou fica em casa com uma ama ou
com os avós? E se ele ficar com os avós, como gerirei a minha relação com eles?
Conseguirei ser mãe, para além de filha/nora? E na minha relação com o meu
filho, será que eu vou fazer como a minha mãe fez comigo? Afinal, vou-me dando
conta o quanto somos parecidas numas coisas… e que eu não queria mesmo nada… Será
que o meu filho vai ser como eu? Como vou dar ao meu filho o que nunca recebi,
mas que sei que faz falta para um desenvolvimento mais seguro e confiante? Como
será que o meu marido vai desempenhar o seu papel de pai? Seremos
complementares? Concordaremos nas coisas fundamentais? Conseguiremos oferecer
ao nosso filho um ambiente relacional rico ou o dia-a-dia irá consumir a nossa
energia? Como será que eu e o meu marido vamos sobreviver à vinda do nosso
filho? O que vai alterar na nossa relação? Será que vou continuar a gostar dele
(do marido) – e ele de mim – da mesma maneira?
Neste mesmo sentido, Stern (1997)
aborda o conceito de «constelação da maternidade», onde destaca três discursos
diferentes, mas relacionados: o discurso da mãe com a própria mãe; seu discurso
consigo mesma; e seu discurso com o bebé. Destes discursos, emergem algumas
preocupações, como sejam: a vida e o crescimento (a mãe interroga-se se será
capaz de manter vivo e estimular o crescimento do seu bebé); a relação primária
com o bebé (em que a mãe interroga-se sobre as suas capacidades de relação com
o seu bebé, inicialmente assente numa base não-verbal), a matriz de apoio (que
remete para a necessidade que a mãe tem de criar, permitir, aceitar e regular
uma rede de apoio protectora, para que possa manter o bebé vivo e promover seu
desenvolvimento psico-afectivo), e a reorganização da identidade (como se
reorganiza a sua identidade no sentido de facilitar as suas funções maternas).
Stern sublinha, ainda, que a organização da identidade materna depende
essencialmente da narrativa que a
futura mãe elabora sobre as suas experiências passadas, nomeadamente no que diz
respeito à relação com a sua própria mãe.
Eu penso que intensidade destas (e
de outras) questões depende da personalidade da mãe e da qualidade das suas próprias
relações precoces, mas também da qualidade da relação do casal, isto é, da
capacidade que o homem tem para empatizar com estas ansiedades da mulher e de
lhe oferecer um colo onde se possa sentir segura. Quero com isto dizer, um colo
mental onde a mulher se pode sentir segura para expor ao seu marido todas estas
dúvidas e dele receber compreensão, calma e ponderação. São dúvidas para se
levar a sério. Elas consomem grande parte da energia mental da mulher.
Nesta altura, a mulher sente
necessidade de se sentir presença viva na mente do seu marido. Ou seja, tal
como ela tem o bebé omnipresente na sua cabeça, deseja perceber se o homem
também tem o bebé bem presente na sua cabeça e se a tem a ela também.
Efectivamente, embora a mulher possa passar por momentos em que
necessita/deseja estar sozinha, em contacto consigo mesma e com o seu bebé,
outros há em que sente uma enorme carência de atenção e de conforto por parte
do marido. O seu suporte dá-lhe a segurança de que não está sozinha nesta
aventura.
Para o homem, este pode ser um
momento bastante exigente em termos emocionais. Às suas próprias reflexões
sobre o seu futuro papel de pai, e que lhe consomem alguma energia e
preocupação, acrescentam-se as alterações de humor e exigências emocionais da
sua mulher.
Mulheres e homens vivem as
transformações psíquicas da parentalidade de forma diferente. Na mulher, o
facto de ir sentindo o crescimento e o desenvolvimento do seu bebé dentro de si
dá-lhe a possibilidade de estabelecer com o bebé uma relação precocíssima,
onde, como já referi, o bebé se torna o centro da sua atenção. Durante este
período, mãe e bebé vivem numa união partilhada
que não se repetirá mais na vida de ambos. Numa experiência gravídica
“saudável”, a mulher não se sente confundida com o seu bebé. Discrimina-o como
um ser diferente de si mesma, e isso, aliás, é um bom sentimento, que a enche
de esperança num futuro melhor protagonizado pelo seu filho. Sabe que tem um
bebé dentro de si, que não é ela mesma – que é uma aposta diferente no futuro,
fruto da conjugação entre dois seres adultos diferentes, ela própria e o seu
marido, e das características particulares do seu bebé -, mas que vive nela,
depende dela. É um organismo dentro do seu organismo, com vontade própria, como
começa a perceber pelos movimentos que faz.
Ou seja, embora não se
confundindo com o seu bebé, este está tão entranhado nela que faz parte dela e do seu pensamento. Por
isso, a mulher pode não compreender e interpretar mal o facto de o seu marido
não partilhar a mesma intensidade nos pensamentos sobre o bebé. E, em momentos
emocionais mais exacerbados, pode mesmo chegar a sentir que este não se
interessa da mesma forma pelo filho de ambos e fazê-lo sentir-se culpado disso
mesmo. O que pode ser injusto para o homem. O que sucede é que ambos têm
experiências emocionais diferentes e o homem consegue ter mais elementos na sua
mente para além do bebé. Este vive na sua mente, mas não dentro dele, como
sucede com a mulher.
O amor, o diálogo, a aceitação da
diferença (vista como complementaridade e menos como fosso separador), a
paciência, a compreensão empática são a pedra de toque na relação de casal. Durante
a gravidez e sempre!
Ora, amor gera amor! O amor que os
futuros pais receberam (nas suas próprias relações precoces e actuais) permite
amar o novo ser que germina dentro do ventre materno. Este sentimento de ser
amado, antecipado (sonhado), correspondido e respeitado é fundamental na
criação do vínculo amoroso que ligará, então, o bebé aos pais e que Bowlby
cunhou de vinculação. Mas, para que esta suceda, primeiro os pais têm de se
ligar ao seu bebé. Esta é a lógica fundamental do amor: sou amado e amo. Ou,
dito de outra forma, tenho capacidade de amar porque senti, de forma
inequívoca, que fui amado e desejado pelos meus pais. É o amor avassalador que
os pais sentem pelos filhos que funda a capacidade de amar e a própria saúde
mental. É este amor que invade toda a mente materna durante a gravidez que leva
a certeza ao bebé de que é desejado e esperado. É este amor que inunda toda a
mulher quando o seu bebé nasce e é colocado num contacto pele a pele sobre o
seu peito.
Mas, como atrás dissemos, este
não é um amor ideal (haverá algum?). Trata-se de um amor que engloba uma gama
avassaladora de afectos, entre os quais cuidado, alegria, expectativa, ansiedade
e o medo, mas todos voltados para a vontade de se sintonizar e ajustar àquele
bebé, mesmo ainda no ventre materno.
Quando se sobrepõe uma imagem
idealizada do bebé e sobretudo da relação com o bebé, existe o perigo de o bebé
real e de a relação real serem decepcionantes e de conduzirem a um estado de
tristeza e de frustração na mãe, que pode, de forma permanente ou intermitente,
bloquear a alegria e a espontaneidade na relação mãe-bebé, com consequências
para o desenvolvimento do bebé e para o sentimento de competência e satisfação
da mãe.
Ora, a gravidez pode ser um
momento de reflexão mais profunda e de mudança na mãe, que se confronta com as
suas próprias falhas e com as suas dificuldades que vai imaginando na sua relação
real com o seu bebé. Uma coisa é imaginar a relação ideal com o seu bebé, onde
pode colocar-se a si e ao seu bebé como quase perfeitos – imagem que repararia
as insuficiências que sentiu na relação precoce dos seus pais para consigo –,
outra coisa é quando começa a descortinar a possível relação real com o seu
filho. Nesta existirão sempre desajustes…
Provavelmente, a mãe já se deu
conta da sua forma de agir/reagir com as outras pessoas significativas, como o seu
marido. Pode sentir-se, então, encurralada e encerrada num mundo psíquico do
qual não consegue escapar e oferecer melhor relação ao seu filho… O que a pode
deprimir… Contudo, a gravidez e a relação com um filho podem tornar-se
estímulos suficientemente fortes para uma mudança por parte da mãe. A
psicoterapia pode ajudar nesta transformação, oferecendo um espaço e uma
relação onde tudo isto pode ser pensado e significado, mas a mulher pode
empreender esta mudança sozinha… ou melhor, na relação com o seu filho e com o
seu marido.
Mudanças psíquicas que geralmente
trazem alterações nas relações reais da futura mãe com os seus próprios pais.
Afinal, também ela vai ser mãe. Deixará de ser só filha. E o reconhecimento
desta mudança por parte dos seus próprios pais pode também desempenhar um papel
importante na segurança e confiança com que a futura mãe ascenderá ao seu novo
estatuto. Contudo, esse reconhecimento é importante, mas não é essencial.
Essencial é que essa legitimização surja de forma inequívoca na cabeça da
futura mãe e do seu companheiro.
A gravidez e a relação com o
filho podem consistir em momentos óptimos de transformação psíquica, pela
motivação e esperança que criam… e, sobretudo, pela força do amor que suscitam.
Efectivamente, mudamos por amor, com amor e para o amor. Este sentimento é o
centro do nosso universo psíquico.
As neurociências têm vindo a
mostrar os circuitos neuroquímicos que tornam o amor um sentimento tão poderoso
no nosso desenvolvimento. Sobretudo ao nível do papel da serotonina, a chamada
hormona do amor (de que já falei nos artigos anteriores para esta mesma revista).
É este amor que confere um estímulo para nos suplantarmos a nós próprios,
embora isso seja difícil, claro. E será este amor que acontecendo nas relações
precocíssimas e precoces liberta a espontaneidade do ser na relação e permite a
criatividade do brincar, que funda a sintonia relacional.
A cultura social actual sublinha
a competência – e a competição e a inveja, acrescentaria eu – e uma ideia de
que, com tanta informação e tantos apoios ao nosso alcance, não podemos falhar
nos nossos diversos papéis. Sobretudo no que toca a ser-se pai. Há cursos, há
livros, há máquinas que fazem tudo e mais alguma coisa, há amas, há creches, há
workshops de tudo e mais alguma coisa para fomentar a ligação entre pais e
filhos. E devemos trabalhar o mais possível para conseguirmos ter dinheiro para
oferecer ao nosso filho tudo o que está
estudado e comprovado cientificamente que é imprescindível para o seu
desenvolvimento saudável. E ainda devemos ter tempo de qualidade para estar com
ele, que, dizem os entendidos, tem a
ver com a disponibilidade emocional, e que, por isso, está para além do tempo
real e das preocupações reais que temos.
Penso que não haverá pais que não
sintam que estão aquém…
Ora, aquilo que eu gostaria de
sublinhar aqui é que a possibilidade de falharmos como pais, como pessoas, como
pares amorosos, e em todos os domínios da vida, faz parte da contínua
aprendizagem que é viver. E de como é na dessintonia relacional que se encontra
o espaço para refletir e pensar em como fazer de outra forma. Ou seja, são os
momentos de dessintonia que têm o potencial de gerar momentos de sintonia. Os desajustes
não são falhanços irreparáveis e traumatizantes… Podem, antes, ter o papel
inverso de promoção da mudança.
Assim sendo, embora a gravidez
seja um momento óptimo de transformação psíquica dos pais, tal não significa
que caminhem sem conflitos, sem desajustes, sem tristeza e decepção. O bebé que
se tem na cabeça é, em grande parte, o bebé representativo da sua relação ideal
consigo mesmo e com o outro. Ou seja, é uma representação da relação perfeita
que todos temos na nossa mente. E que tão bem se conjuga com a exigência que a
cultura social actual defende. Com todos os perigos que isso tem.
Concluiria, então, que o caminho
que se inicia na gravidez, e que terá o seu expoente máximo no nascimento do
filho, é o caminho do confronto com a desidealização de si mesmo, do outro e do
próprio filho. Caminho assente na vivência e na consciência de ajustamentos
relacionais – momentos de dessintonia e momentos de sintonia - que criam o
espaço potencial para a reflexão e para a mudança… em que todos os parceiros se
tornam mais reais.
Neste
sentido, não é raro que os futuros pais sintam mudar a sua maneira de ver os
seus próprios pais, muitas vezes compreendendo as suas atitudes e
comportamentos – agora vistos à luz da parentalidade, e não da relação filial. Os
seus pais deixaram de ser perfeitos ou uma decepção face à perfeição que
deveriam ter sido. Os seus pais passam a ser reais, com dificuldades reais em
se ajustarem no desempenho do seu papel de pais. Afinal, um papel que se vai
aprendendo com os filhos, com a relação com estes estabelecida e com os
desafios que a vida sempre traz. E esta visão mais realista também ajuda os
futuros pais a serem mais tolerantes consigo mesmos no desempenho do seu novo
papel!
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