14/01/2013

Com o bebé sempre na cabeça


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta



Há dias inesquecíveis para os futuros pais. Um deles é o dia em que se sente o bebé mexer pela primeira vez, sobretudo se se trata de uma primeira gravidez. Se as duas primeiras ecografias já tinham permitido aos pais ver o seu bebé, dando-lhe forma e realidade física, os movimentos do bebé no ventre materno trazem uma maior concretude e realidade ao bebé que até agora imperceptivelmente se desenvolvia e crescia dentro da barriga da mãe. Esta experiência é marcante para a mãe. Se inicialmente podia ser estranho pensar que iria ter um ser a mexer-se dentro de si, quando sente pela primeira vez o seu filho - que está vivo e cheio de energia dentro de si - a emoção transborda e o amor continua a crescer… até um infinito.
Numa experiência gravídica “normal”, sentir o bebé a mexer-se dentro de si traz uma alegria muito grande para a mãe. Pode, inclusive, tornar-se rapidamente numa via de comunicação entre mãe e bebé. Não quero dizer com isto que o bebé comunique intencional e conscientemente com o exterior através dos seus movimentos. Mas, para a mãe e para o pai, estes movimentos são especiais. São como que um vislumbre do seu filho, um apelo irresistível a tocar-lhe também. Por isso, quase sempre que o bebé se mexe a mãe fala com ele e toca na barriga no(s) sítio(s) onde sente os movimentos. Tenta descortinar qual a parte do seu corpo que está a mexer, tentando perceber como ele está posicionado dentro da barriga. Comunica com ele. Transmite-lhe com o seu pensamento, com a sua voz e com o seu toque o quanto o ama e pensa nele. Transmite-lhe o quanto quer estar em relação com ele, o quanto se quer dar a conhecer e o quanto deseja que o seu bebé sinta o seu amor por ele.
O desejo de comunicar com o seu bebé – percursor das interacções mais precoces – é enorme. Neste sentido, a mãe e/ou o pai podem mesmo estimular os seus movimentos, pressionando a barriga, cantando, falando para ele, colocando música, contando histórias, entre outras formas de estimular, dependendo da imaginação dos pais. E vão descobrindo que o seu bebé reage, o que os enche de satisfação e sensação de reconhecimento mútuo, que alimenta o seu amor por aquele bebé. Neste sentido, penso que podemos falar aqui de interacções precocíssimas pais-bebé, na medida em que consistiriam no substrato afectivo e relacional que alimentará as relações mais precoces, aquando do nascimento do bebé.
Ora, desde o momento em que a mãe sente mexer o seu bebé, a sua experiência emocional sobre ele começa a modificar-se. Progressivamente, o seu bebé torna-se uma presença constante na sua cabeça. Ele adquiriu uma existência palpável. A esta experiência, acrescenta-se o facto de ser neste momento, normalmente e se o desejarem, que os pais ficam a saber qual o sexo do seu bebé. Então, este adquire uma identidade e uma pessoalidade no discurso parental e familiar. Passa a ser nomeado no feminino ou no masculino, muitas vezes pelo nome que os pais lhe vão dar, e passa a ser sonhado nas roupas e na decoração para o quarto.
E o que começa por ser um pensar intermitente sobre o bebé, torna-se uma omnipresença a partir do 6º/7º mês. A partir desta altura, a mãe tem sempre o seu bebé na cabeça. O seu bebé tomou conta de grande parte da sua energia mental. Claro que também pensa sobre o parto, mas o grande foco da sua atenção e concentração é a chegada do seu bebé, preocupando-se em prevenir o máximo que consegue as suas futuras necessidades. E aqui estamos a falar de coisas como as roupas para os primeiros tempos, o quarto do bebé, as fraldas, e um sem número de artigos para o bebé e para si mesma que até então não faziam parte do universo da futura mãe e que envolvem, por isso, uma aprendizagem e uma adaptação. E, claro, pensar como se vai adequar/ajustar profissionalmente para a vinda daquele pequenino ser e que nos primeiros tempos tanto dela vai precisar. Tudo isto causa grande ansiedade na mãe. São imensas mudanças, a juntar a uma barriga cada vez maior e a pequenos “problemas” que advêm neste período da gravidez, como o cansaço, o sono, as dores de costas, entre outros.
Até que se sinta tranquila, a mãe pode parecer estar num estado alterado de humor… e muitas vezes assim o é. Winnicott, grande pediatra e psicanalista inglês, cunhou a este propósito o termo «preocupação materna primária» (1956/2000), querendo com isto significar um estado particular de humor da mãe, caracterizado por «uma sensibilidade exacerbada durante e principalmente no final da gravidez» (p. 401), que a vai permitir colocar-se no lugar do seu bebé, antecipar as suas necessidades e afinar-se de acordo com elas... e, acrescento eu, energizar quem está à sua volta, nomeadamente o marido, para estas necessidades. O que sucede é que grande parte da energia mental da mãe está canalizada para a preparação da vinda eminente do bebé. A sua disponibilidade mental está focada no seu bebé e nas suas possíveis necessidades.
Mas este é também um período de grande reflexão interna na mãe. À imagem mais ou menos idealizada do seu bebé, de si mesma e da relação entre ambos que pode ter aparecido no início da gravidez, emergem agora imagens mais concretas e próximas da realidade. A concretude da experiência de sentir o seu bebé dentro do seu ventre traz a mãe ao plano da realidade que dentro em breve vai transformar para sempre a sua vida. Se calhar, até aqui a sua mente derivava para muitas coisas e o quotidiano habitual ainda era soberano na mente materna. Mas, com os movimentos anunciantes do crescimento e da eminência do nascimento do bebé, a mente entra no que vou designar estádio de preparação para o nascimento do seu filho, em que o psiquismo vai “amadurecendo” para enfrentar esta nova etapa.
Neste estádio mental, como já referi, a mãe pode começar por preocupar-se com coisas mais práticas, como o quarto e as roupas do bebé, a maternidade onde o quer ter, inscrever-se ou não no curso de preparação para o parto, a mala para a maternidade, se vai ou não optar por realizar a criopreservação das células estaminais do sangue do cordão umbilical, os produtos de higiene para o bebé, o berço, o carrinho, o ovo e a cadeira… São mesmo muitas coisas e existe uma oferta imensa para ocupar os pais em decisões e contas familiares.
Mas, depois ou durante esta fase, emerge outra… maior. A mãe entra em estádio de reflexão sobre o seu papel materno e sobre o que recebeu da sua própria mãe e do seu pai. Emergem dúvidas sobre a sua capacidade de cuidar do bebé, que deseja que seja preferencialmente melhor do que a sua mãe fez consigo. Na minha opinião, de uma forma mais ou menos consciente e/ou mais ou menos segura, todas as mães querem fazer melhor pelos seus filhos e tratar deles de tal forma que eles sejam crianças saudáveis psicologicamente e bem preparadas para a vida. Nenhuma mãe gosta de pensar que pode não conseguir realizar este objectivo. Mas, quanto mais a contagem decrescente a aproxima do dia, mais as dúvidas e o medo assaltam a mente materna.
E se eu não consigo tratar/cuidar do meu filho? Saberei reconhecer e responder às suas necessidades? Conseguirei ter a energia necessária para lhe dar boas respostas? Saberei distinguir o que é melhor para ele? Vou conseguir amamentá-lo? Como é que eu vou conciliar a minha vida profissional com as necessidades do meu filho? Conseguirei trabalhar? E se eu precisar de trabalhar cedo na vida do meu bebé? Posso não poder tirar os quatro ou seis meses de licença de maternidade e ter de trabalhar mais cedo… Será que isso irá traumatizar o meu filho? Prejudicará o seu sentimento de segurança e de confiança no meu amor? Vou colocá-lo numa creche ou fica em casa com uma ama ou com os avós? E se ele ficar com os avós, como gerirei a minha relação com eles? Conseguirei ser mãe, para além de filha/nora? E na minha relação com o meu filho, será que eu vou fazer como a minha mãe fez comigo? Afinal, vou-me dando conta o quanto somos parecidas numas coisas… e que eu não queria mesmo nada… Será que o meu filho vai ser como eu? Como vou dar ao meu filho o que nunca recebi, mas que sei que faz falta para um desenvolvimento mais seguro e confiante? Como será que o meu marido vai desempenhar o seu papel de pai? Seremos complementares? Concordaremos nas coisas fundamentais? Conseguiremos oferecer ao nosso filho um ambiente relacional rico ou o dia-a-dia irá consumir a nossa energia? Como será que eu e o meu marido vamos sobreviver à vinda do nosso filho? O que vai alterar na nossa relação? Será que vou continuar a gostar dele (do marido) – e ele de mim – da mesma maneira?
Neste mesmo sentido, Stern (1997) aborda o conceito de «constelação da maternidade», onde destaca três discursos diferentes, mas relacionados: o discurso da mãe com a própria mãe; seu discurso consigo mesma; e seu discurso com o bebé. Destes discursos, emergem algumas preocupações, como sejam: a vida e o crescimento (a mãe interroga-se se será capaz de manter vivo e estimular o crescimento do seu bebé); a relação primária com o bebé (em que a mãe interroga-se sobre as suas capacidades de relação com o seu bebé, inicialmente assente numa base não-verbal), a matriz de apoio (que remete para a necessidade que a mãe tem de criar, permitir, aceitar e regular uma rede de apoio protectora, para que possa manter o bebé vivo e promover seu desenvolvimento psico-afectivo), e a reorganização da identidade (como se reorganiza a sua identidade no sentido de facilitar as suas funções maternas). Stern sublinha, ainda, que a organização da identidade materna depende essencialmente da narrativa que a futura mãe elabora sobre as suas experiências passadas, nomeadamente no que diz respeito à relação com a sua própria mãe.
Eu penso que intensidade destas (e de outras) questões depende da personalidade da mãe e da qualidade das suas próprias relações precoces, mas também da qualidade da relação do casal, isto é, da capacidade que o homem tem para empatizar com estas ansiedades da mulher e de lhe oferecer um colo onde se possa sentir segura. Quero com isto dizer, um colo mental onde a mulher se pode sentir segura para expor ao seu marido todas estas dúvidas e dele receber compreensão, calma e ponderação. São dúvidas para se levar a sério. Elas consomem grande parte da energia mental da mulher.
Nesta altura, a mulher sente necessidade de se sentir presença viva na mente do seu marido. Ou seja, tal como ela tem o bebé omnipresente na sua cabeça, deseja perceber se o homem também tem o bebé bem presente na sua cabeça e se a tem a ela também. Efectivamente, embora a mulher possa passar por momentos em que necessita/deseja estar sozinha, em contacto consigo mesma e com o seu bebé, outros há em que sente uma enorme carência de atenção e de conforto por parte do marido. O seu suporte dá-lhe a segurança de que não está sozinha nesta aventura.
Para o homem, este pode ser um momento bastante exigente em termos emocionais. Às suas próprias reflexões sobre o seu futuro papel de pai, e que lhe consomem alguma energia e preocupação, acrescentam-se as alterações de humor e exigências emocionais da sua mulher.
Mulheres e homens vivem as transformações psíquicas da parentalidade de forma diferente. Na mulher, o facto de ir sentindo o crescimento e o desenvolvimento do seu bebé dentro de si dá-lhe a possibilidade de estabelecer com o bebé uma relação precocíssima, onde, como já referi, o bebé se torna o centro da sua atenção. Durante este período, mãe e bebé vivem numa união partilhada que não se repetirá mais na vida de ambos. Numa experiência gravídica “saudável”, a mulher não se sente confundida com o seu bebé. Discrimina-o como um ser diferente de si mesma, e isso, aliás, é um bom sentimento, que a enche de esperança num futuro melhor protagonizado pelo seu filho. Sabe que tem um bebé dentro de si, que não é ela mesma – que é uma aposta diferente no futuro, fruto da conjugação entre dois seres adultos diferentes, ela própria e o seu marido, e das características particulares do seu bebé -, mas que vive nela, depende dela. É um organismo dentro do seu organismo, com vontade própria, como começa a perceber pelos movimentos que faz.
Ou seja, embora não se confundindo com o seu bebé, este está tão entranhado nela que faz parte dela e do seu pensamento. Por isso, a mulher pode não compreender e interpretar mal o facto de o seu marido não partilhar a mesma intensidade nos pensamentos sobre o bebé. E, em momentos emocionais mais exacerbados, pode mesmo chegar a sentir que este não se interessa da mesma forma pelo filho de ambos e fazê-lo sentir-se culpado disso mesmo. O que pode ser injusto para o homem. O que sucede é que ambos têm experiências emocionais diferentes e o homem consegue ter mais elementos na sua mente para além do bebé. Este vive na sua mente, mas não dentro dele, como sucede com a mulher.
O amor, o diálogo, a aceitação da diferença (vista como complementaridade e menos como fosso separador), a paciência, a compreensão empática são a pedra de toque na relação de casal. Durante a gravidez e sempre!
Ora, amor gera amor! O amor que os futuros pais receberam (nas suas próprias relações precoces e actuais) permite amar o novo ser que germina dentro do ventre materno. Este sentimento de ser amado, antecipado (sonhado), correspondido e respeitado é fundamental na criação do vínculo amoroso que ligará, então, o bebé aos pais e que Bowlby cunhou de vinculação. Mas, para que esta suceda, primeiro os pais têm de se ligar ao seu bebé. Esta é a lógica fundamental do amor: sou amado e amo. Ou, dito de outra forma, tenho capacidade de amar porque senti, de forma inequívoca, que fui amado e desejado pelos meus pais. É o amor avassalador que os pais sentem pelos filhos que funda a capacidade de amar e a própria saúde mental. É este amor que invade toda a mente materna durante a gravidez que leva a certeza ao bebé de que é desejado e esperado. É este amor que inunda toda a mulher quando o seu bebé nasce e é colocado num contacto pele a pele sobre o seu peito.
Mas, como atrás dissemos, este não é um amor ideal (haverá algum?). Trata-se de um amor que engloba uma gama avassaladora de afectos, entre os quais cuidado, alegria, expectativa, ansiedade e o medo, mas todos voltados para a vontade de se sintonizar e ajustar àquele bebé, mesmo ainda no ventre materno.
Quando se sobrepõe uma imagem idealizada do bebé e sobretudo da relação com o bebé, existe o perigo de o bebé real e de a relação real serem decepcionantes e de conduzirem a um estado de tristeza e de frustração na mãe, que pode, de forma permanente ou intermitente, bloquear a alegria e a espontaneidade na relação mãe-bebé, com consequências para o desenvolvimento do bebé e para o sentimento de competência e satisfação da mãe.
Ora, a gravidez pode ser um momento de reflexão mais profunda e de mudança na mãe, que se confronta com as suas próprias falhas e com as suas dificuldades que vai imaginando na sua relação real com o seu bebé. Uma coisa é imaginar a relação ideal com o seu bebé, onde pode colocar-se a si e ao seu bebé como quase perfeitos – imagem que repararia as insuficiências que sentiu na relação precoce dos seus pais para consigo –, outra coisa é quando começa a descortinar a possível relação real com o seu filho. Nesta existirão sempre desajustes…
Provavelmente, a mãe já se deu conta da sua forma de agir/reagir com as outras pessoas significativas, como o seu marido. Pode sentir-se, então, encurralada e encerrada num mundo psíquico do qual não consegue escapar e oferecer melhor relação ao seu filho… O que a pode deprimir… Contudo, a gravidez e a relação com um filho podem tornar-se estímulos suficientemente fortes para uma mudança por parte da mãe. A psicoterapia pode ajudar nesta transformação, oferecendo um espaço e uma relação onde tudo isto pode ser pensado e significado, mas a mulher pode empreender esta mudança sozinha… ou melhor, na relação com o seu filho e com o seu marido.
Mudanças psíquicas que geralmente trazem alterações nas relações reais da futura mãe com os seus próprios pais. Afinal, também ela vai ser mãe. Deixará de ser só filha. E o reconhecimento desta mudança por parte dos seus próprios pais pode também desempenhar um papel importante na segurança e confiança com que a futura mãe ascenderá ao seu novo estatuto. Contudo, esse reconhecimento é importante, mas não é essencial. Essencial é que essa legitimização surja de forma inequívoca na cabeça da futura mãe e do seu companheiro.
A gravidez e a relação com o filho podem consistir em momentos óptimos de transformação psíquica, pela motivação e esperança que criam… e, sobretudo, pela força do amor que suscitam. Efectivamente, mudamos por amor, com amor e para o amor. Este sentimento é o centro do nosso universo psíquico.
As neurociências têm vindo a mostrar os circuitos neuroquímicos que tornam o amor um sentimento tão poderoso no nosso desenvolvimento. Sobretudo ao nível do papel da serotonina, a chamada hormona do amor (de que já falei nos artigos anteriores para esta mesma revista). É este amor que confere um estímulo para nos suplantarmos a nós próprios, embora isso seja difícil, claro. E será este amor que acontecendo nas relações precocíssimas e precoces liberta a espontaneidade do ser na relação e permite a criatividade do brincar, que funda a sintonia relacional.
A cultura social actual sublinha a competência – e a competição e a inveja, acrescentaria eu – e uma ideia de que, com tanta informação e tantos apoios ao nosso alcance, não podemos falhar nos nossos diversos papéis. Sobretudo no que toca a ser-se pai. Há cursos, há livros, há máquinas que fazem tudo e mais alguma coisa, há amas, há creches, há workshops de tudo e mais alguma coisa para fomentar a ligação entre pais e filhos. E devemos trabalhar o mais possível para conseguirmos ter dinheiro para oferecer ao nosso filho tudo o que está estudado e comprovado cientificamente que é imprescindível para o seu desenvolvimento saudável. E ainda devemos ter tempo de qualidade para estar com ele, que, dizem os entendidos, tem a ver com a disponibilidade emocional, e que, por isso, está para além do tempo real e das preocupações reais que temos.
Penso que não haverá pais que não sintam que estão aquém…
Ora, aquilo que eu gostaria de sublinhar aqui é que a possibilidade de falharmos como pais, como pessoas, como pares amorosos, e em todos os domínios da vida, faz parte da contínua aprendizagem que é viver. E de como é na dessintonia relacional que se encontra o espaço para refletir e pensar em como fazer de outra forma. Ou seja, são os momentos de dessintonia que têm o potencial de gerar momentos de sintonia. Os desajustes não são falhanços irreparáveis e traumatizantes… Podem, antes, ter o papel inverso de promoção da mudança.
Assim sendo, embora a gravidez seja um momento óptimo de transformação psíquica dos pais, tal não significa que caminhem sem conflitos, sem desajustes, sem tristeza e decepção. O bebé que se tem na cabeça é, em grande parte, o bebé representativo da sua relação ideal consigo mesmo e com o outro. Ou seja, é uma representação da relação perfeita que todos temos na nossa mente. E que tão bem se conjuga com a exigência que a cultura social actual defende. Com todos os perigos que isso tem.
Concluiria, então, que o caminho que se inicia na gravidez, e que terá o seu expoente máximo no nascimento do filho, é o caminho do confronto com a desidealização de si mesmo, do outro e do próprio filho. Caminho assente na vivência e na consciência de ajustamentos relacionais – momentos de dessintonia e momentos de sintonia - que criam o espaço potencial para a reflexão e para a mudança… em que todos os parceiros se tornam mais reais.
Neste sentido, não é raro que os futuros pais sintam mudar a sua maneira de ver os seus próprios pais, muitas vezes compreendendo as suas atitudes e comportamentos – agora vistos à luz da parentalidade, e não da relação filial. Os seus pais deixaram de ser perfeitos ou uma decepção face à perfeição que deveriam ter sido. Os seus pais passam a ser reais, com dificuldades reais em se ajustarem no desempenho do seu papel de pais. Afinal, um papel que se vai aprendendo com os filhos, com a relação com estes estabelecida e com os desafios que a vida sempre traz. E esta visão mais realista também ajuda os futuros pais a serem mais tolerantes consigo mesmos no desempenho do seu novo papel!

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