Catarina Rodrigues
(Jornal Público, 10 de Novembro de 2013)
A maioria dos pais deseja que os seus filhos se desenvolvam no sentido de serem adultos felizes e competentes na sua vida. Contudo, muitas vezes tal desejo mostra-se confundido com um tipo de educação assente no “modelo do adulto”. Ou seja, centrada no futuro (ser adulto), e não no momento presente (ser bebé), e que, por isso, pode traduzir-se no controlo dos comportamentos espontâneos do bebé que não são consentâneos com as exigências de ser um adulto.
A maioria dos pais deseja que os seus filhos se desenvolvam no sentido de serem adultos felizes e competentes na sua vida. Contudo, muitas vezes tal desejo mostra-se confundido com um tipo de educação assente no “modelo do adulto”. Ou seja, centrada no futuro (ser adulto), e não no momento presente (ser bebé), e que, por isso, pode traduzir-se no controlo dos comportamentos espontâneos do bebé que não são consentâneos com as exigências de ser um adulto.
Nesta visão, o bebé é considerado
como alguém a moldar ao mundo dos adultos,
e não como alguém a ajudar a expandir-se ao ritmo da sua maturidade e lógica
infantil. Neste sentido, os pais valorizam comportamentos como o estar
sossegado e ser obediente e manifestam desagrado face a comportamentos como o
não querer emprestar, chorar e bater com os pés e com as mãos como demonstração
do seu querer, entre outros. Estes, pelo seu carácter agressivo, raramente são
entendidos como comunicação dos sentimentos e das vontades do bebé de acordo
com a sua maturidade. Se o fossem, poderiam ser alvo de aceitação por parte do
adulto, imperando uma perspectiva de negociação e clarificação de vontades... e
não de castigo ou de imposição. Transportando para a lógica do adulto: é como
se perante um adulto que é assertivo na sua vontade, outros o considerassem
agressivo e o reprimissem e castigassem.
Faço-vos o convite de refletirem
sobre este exemplo: quando estão presentes várias crianças que não se conhecem
num parque e uma delas tem um brinquedo que naturalmente será considerado
interessante pelas restantes, é comum ver-se o adulto dizer à criança que deve emprestar esse brinquedo. A mesma
exigência seria feita ao adulto? A criança, inclusive, se não quiser emprestar,
será criticada e considerada invejosa: «Não é isso que eu te ensino. Tu tens de aprender a partilhar. Eu estou preocupada com este teu comportamento». E pode mesmo ser
retirado o brinquedo das mãos da criança e dado à outra... a qual, mais
sensível e empática, geralmente mantém uma atitude de reserva e de observação.
Em primeiro lugar, é importante
referir que aprendemos a partilhar quando sentimos que fomos respeitados na
nossa necessidade de posse e de protecção do que é nosso. Em segundo lugar, partilhamos espontaneamente as nossas coisas
quando gostamos de alguém e sentimos prazer acrescentado em brincar com os
nossos brinquedos com o entusiasmo e a criatividade dessa outra pessoa.
Em situações como a que vos
descrevi acima, penso que é provável que na raiz
do comportamento do adulto esteja a sua própria necessidade de ser reconhecido
e valorizado. As críticas surgem quando o comportamento do bebé não está em
sintonia com as necessidades de reconhecimento e de valorização dos pais. O
bebé é tanto mais criticado e mal interpretado quanto mais o seu comportamento
não for narcisante para os seus pais. Aquilo que estes sentem que está em jogo
é a avaliação da sua função parental... E isso sobrepõe-se à sua
disponibilidade emocional para lerem os comportamentos dos seus filhos com o
foco nestes, e não em si mesmos.
Acredito que numa relação pautada
pelo amor, respeito e complementaridade, o bebé é sentido pelos pais como uma
pessoa em desenvolvimento e o seu maior entusiasmo é vê-lo crescer e expandir
as suas competências ao ritmo da infância. A relação estabelecida com ele é,
pois, uma relação de pessoas com maturidades diferentes.
Encarar
o bebé como uma pessoa e a nós próprios como facilitadores da sua aprendizagem
de si mesmo e dos outros, das emoções, do mundo que o rodeia e das
consequências neste que os seus actos podem ter, tem, na minha perspectiva,
mudanças no modo como nos relacionamos com o bebé e nos encaramos como pais.
Por isso, faz-me sentido encarar o bebé, desde que nasce, como um ser com
competência para expressar as suas necessidades e vontades. Cabe ao adulto ser
capaz de as entender e significar com sensibilidade e empatia.