18/11/2013

Direito a ter vontade própria - III


Catarina Rodrigues

(Jornal Público, 10 de Novembro de 2013)



A maioria dos pais deseja que os seus filhos se desenvolvam no sentido de serem adultos felizes e competentes na sua vida. Contudo, muitas vezes tal desejo mostra-se confundido com um tipo de educação assente no “modelo do adulto”. Ou seja, centrada no futuro (ser adulto), e não no momento presente (ser bebé), e que, por isso, pode traduzir-se no controlo dos comportamentos espontâneos do bebé que não são consentâneos com as exigências de ser um adulto.

Nesta visão, o bebé é considerado como alguém a moldar ao mundo dos adultos, e não como alguém a ajudar a expandir-se ao ritmo da sua maturidade e lógica infantil. Neste sentido, os pais valorizam comportamentos como o estar sossegado e ser obediente e manifestam desagrado face a comportamentos como o não querer emprestar, chorar e bater com os pés e com as mãos como demonstração do seu querer, entre outros. Estes, pelo seu carácter agressivo, raramente são entendidos como comunicação dos sentimentos e das vontades do bebé de acordo com a sua maturidade. Se o fossem, poderiam ser alvo de aceitação por parte do adulto, imperando uma perspectiva de negociação e clarificação de vontades... e não de castigo ou de imposição. Transportando para a lógica do adulto: é como se perante um adulto que é assertivo na sua vontade, outros o considerassem agressivo e o reprimissem e castigassem.

Faço-vos o convite de refletirem sobre este exemplo: quando estão presentes várias crianças que não se conhecem num parque e uma delas tem um brinquedo que naturalmente será considerado interessante pelas restantes, é comum ver-se o adulto dizer à criança que deve emprestar esse brinquedo. A mesma exigência seria feita ao adulto? A criança, inclusive, se não quiser emprestar, será criticada e considerada invejosa: «Não é isso que eu te ensino. Tu tens de aprender a partilhar. Eu estou preocupada com este teu comportamento». E pode mesmo ser retirado o brinquedo das mãos da criança e dado à outra... a qual, mais sensível e empática, geralmente mantém uma atitude de reserva e de observação.

Em primeiro lugar, é importante referir que aprendemos a partilhar quando sentimos que fomos respeitados na nossa necessidade de posse e de protecção do que é nosso. Em segundo lugar, partilhamos espontaneamente as nossas coisas quando gostamos de alguém e sentimos prazer acrescentado em brincar com os nossos brinquedos com o entusiasmo e a criatividade dessa outra pessoa.

Em situações como a que vos descrevi acima, penso que é provável que na raiz do comportamento do adulto esteja a sua própria necessidade de ser reconhecido e valorizado. As críticas surgem quando o comportamento do bebé não está em sintonia com as necessidades de reconhecimento e de valorização dos pais. O bebé é tanto mais criticado e mal interpretado quanto mais o seu comportamento não for narcisante para os seus pais. Aquilo que estes sentem que está em jogo é a avaliação da sua função parental... E isso sobrepõe-se à sua disponibilidade emocional para lerem os comportamentos dos seus filhos com o foco nestes, e não em si mesmos.

Acredito que numa relação pautada pelo amor, respeito e complementaridade, o bebé é sentido pelos pais como uma pessoa em desenvolvimento e o seu maior entusiasmo é vê-lo crescer e expandir as suas competências ao ritmo da infância. A relação estabelecida com ele é, pois, uma relação de pessoas com maturidades diferentes.

Encarar o bebé como uma pessoa e a nós próprios como facilitadores da sua aprendizagem de si mesmo e dos outros, das emoções, do mundo que o rodeia e das consequências neste que os seus actos podem ter, tem, na minha perspectiva, mudanças no modo como nos relacionamos com o bebé e nos encaramos como pais. Por isso, faz-me sentido encarar o bebé, desde que nasce, como um ser com competência para expressar as suas necessidades e vontades. Cabe ao adulto ser capaz de as entender e significar com sensibilidade e empatia.

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