18/11/2013

Direito a ter vontade própria - II


Catarina Rodrigues

(Jornal Público, 3 de Novembro de 2013)


Vivendo num ambiente relacional pautado pelo amor, aceitação, tolerância, respeito, reconhecimento como pessoa, entusiasmo, coerência e veracidade, os comportamentos espontâneos do bebé ganham significado comunicacional entre ele e as suas figuras preferenciais.

Sentindo-se entendido e alvo de desejo de entendimento e de correspondência, o bebé compreende que o seu comportamento é importante e gera uma resposta nas figuras que o rodeiam. Ou seja, sente que o seu comportamento é aceite como expressão das suas necessidades e vontades. A qualidade do afecto por parte dos cuidadores, bem como o respeito, a vontade de entender e corresponder ao seu bebé, a coerência e a veracidade do seu comportamento e da sua comunicação, faz com que o bebé os reconheça como figuras importantes e fidedignas do mundo que o rodeia.

Efectivamente, os bebés percebem do esforço (ou não) que os pais fazem para os entender e dar-lhes a melhor resposta. Os bebés sentem a apreensão dos pais e o seu alívio quando conseguem perceber e responder ao desconforto. Também eles tentam fazer-se entender, apenas se acalmando quando os pais acertam na significação. Quando mais crescidos, os bebés riem-se, podem mesmo bater palminhas, quando os pais percebem o que querem e lhes vão buscar ou fazer. E aprendem a dizer “não” quando os pais não acertam e continuam a esforçar-se por se fazer entender, dizendo, na sua linguagem gestual, comportamental ou verbal muito própria, o que querem.

É verdade que o recém-nascido não sabe atribuir significação às sensações que sente. Precisa que os pais cumpram essa função. Porém, penso que transmitem de forma transparente (menos saturada de pensamentos) aquilo que sentem (choram se sentem algum desconforto) e dão também resposta inequívoca quando se sentem correspondidos (ficam tranquilos e contentes).

À medida que crescem, o facto de se terem sentido bem significados e correspondidos pelos cuidadores, faz com que sintam mais confiança na sua compreensão daquilo que sentem e se sintam mais legitimados para se expressarem face às suas necessidades e vontades. Sentem-se confiantes de que vão ser entendidos.

Penso que existirá uma matriz genética que informa da importância do adulto, nomeadamente das figuras parentais. Porém, é necessário que a resposta destas face à comunicação do bebé seja sentida como uma resposta complementar, coerente, amante, que traga uma sensação de bem-estar (se estamos a falar de necessidades biológicas) e de compreensão e expectativa face ao mundo (se estamos a falar da curiosidade espontânea que o bebé sente pelo mundo relacional e físico que o rodeia). Ou seja, tem de existir uma boa significação por parte dos pais em relação ao que é transmitido pelo comportamento ou linguagem do bebé.

Só assim compreendo que exista doença mental: porque na mente do bebé é detectada uma incoerência, ausência de afecto, maus tratos, ausência de disponibilidade mental, rigidez e imaturidade nos comportamentos das figuras significativas. Ou seja, o bebé é dotado de uma extrema sensibilidade à qualidade e adequação da resposta das figuras parentais... e isso faz parte do seu programa genético.
Efectivamente, o bebé tem uma competência inata para analisar e avaliar os sentimentos e a intencionalidade dos outros, nomeadamente das figuras de vinculação (intersubjectividade), construindo a todo o momento o que Coimbra de Matos designa uma teoria da mente (sua e do outro), a qual começa a ter expressão por volta dos 5/6 meses.

O que pretendo salientar é que existe nessa matriz emocional provavelmente uma informação do que é uma boa relação. Na sua ausência, fica a esperança de tal vivência relacional ser possível com outras pessoas. É por isso que as relações amorosas são tão importantes. Elas detêm a possibilidade de colocar em movimento o desenvolvimento que ficou em suspenso, visto serem relações de intimidade, à semelhança das relações precoces.

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