18/11/2013

Direito a ter vontade própria - I

Catarina Rodrigues

(Jornal Público, 27 de Outubro de 2013)



Uma das coisas que considero mais difícil de atribuir aos bebés (e às crianças em geral) é a vontade própria – ou seja, o desejo de que as coisas sejam como querem. De um modo geral, os comportamentos do bebé (de recém-nascido aos 2 anos) que expressam a sua vontade são interpretados como mimo (no sentido pejorativo, isto é, de bebé mimado), manha, birra ou génio… Sobretudo se estiverem associados a comportamentos agressivos, como gritar, bater, chorar. Quando um bebé manifesta veementemente “eu quero” ou “não” gera, muitas vezes, nos cuidadores respostas de surpresa, indiferença, contrariar (considerado “pôr limites”) ou castigar (considerado educação).

Vontade própria é algo que se atribui aos adultos, considerados pessoas com maturidade suficiente para tomar decisões. É certo que os bebés são pessoas em amadurecimento, mas eu julgo que esta caracterização está assente no negativo (na imaturidade dos bebés) e não no positivo, isto é, nas suas competências de expressão do seu desconforto e bem-estar e nas competências relacionais e de aprendizagem.

Tal caracterização pelo negativo encontra-se muitas vezes na base da actuação autoritária e sem questionamentos do adulto («Fazes assim porque eu é que sou o adulto e eu é que mando»; «Ele está a gritar porque não quer vir embora. Pega-se nele com força e dá-se uma palmada “pedagógica”. Tem de perceber que quando eu digo que é para vir embora, é mesmo. Tem de aprender que quem manda sou eu, senão nunca mais tenho mão nele») e alimenta projecções do adulto em relação ao comportamento do bebé («Ele está chorar e a pedir colo. Está muito mimado. O melhor é não dar atenção, para que aprenda a ser mais independente e  não o habituar a que se chorar tem tudo o que quer»).

Contudo, questiono-me porque é que: primeiro, o comportamento espontâneo do bebé não é entendido como expressão da sua vontade, à luz da sua maturidade e, como tal, passível de aceitação; segundo, a vontade não é vista como uma competência precoce e que amadurece associada às respostas complementares e amantes dos cuidadores; terceiro, porque é que corresponder ao comportamento espontâneo do bebé é visto numa linha contrária à educação; e, finalmente, porque é que educar é controlar e limitar e não de negociar, tolerar a agressividade do outro, ter paciência, ouvir e cooperar.

Ou seja, porque é que, dentro da sua maturidade, o bebé não é visto como alguém essencialmente competente? Competente na leitura que faz das suas necessidades biológicas, na procura de se fazer entender face ao seu mundo relacional, de entender o mundo humano e físico que o rodeia, questionando-o através da exploração, e com uma capacidade de aprendizagem espantosa e provavelmente inegualável ao longo da sua vida.

Parece que os adultos “sabem” melhor o que é que os bebés estão a pedir do que eles próprios. E isso é tanto mais frequente quanto mais pequenos são. Nem sempre é dada grande credibilidade à leitura que o próprio faz das suas necessidades e vontades. Neste sentido, não é raro ouvirmos: «É um bebé, não sabe o que quer ou o que tem» ou «É um bebé não tem querer».

Reflectindo sobre estas questões, penso que tal acontece porque, quando o bebé é muito pequenino, nem sempre é facil empatizar e compreender a sua linguagem/comunicação e isso gera ansiedade nos pais, que a podem tentar controlar... controlando o comportamento do seu filho. Acresce que alguns pais rejeitam ou perderam o contacto com o seu lado infantil e têm maior dificuldade em “olhar” o seu bebé numa perspectiva “infantil” . Depois, existe uma dificuldade dominante nos adultos em saber tolerar e reagir de forma positiva aos comportamentos agressivos nos bebés e nas crianças, sentidos imediatamente como negativos e a controlar, e não como expressão natural e espontânea da frustração, que a meu ver deve levar a uma negociação de vontades... e não a uma imposição de uma vontade (geralmente a do adulto). 

0 comentários:

Enviar um comentário