Catarina Rodrigues
Uma das coisas que considero mais
difícil de atribuir aos bebés (e às crianças em geral) é a vontade própria – ou
seja, o desejo de que as coisas sejam como querem. De um modo geral, os
comportamentos do bebé (de recém-nascido aos 2 anos) que expressam a sua
vontade são interpretados como mimo (no sentido pejorativo, isto é, de bebé
mimado), manha, birra ou génio… Sobretudo se estiverem associados a
comportamentos agressivos, como gritar, bater, chorar. Quando um bebé manifesta
veementemente “eu quero” ou “não” gera, muitas vezes, nos cuidadores respostas de
surpresa, indiferença, contrariar (considerado “pôr limites”) ou castigar (considerado
educação).
Vontade própria é algo que se
atribui aos adultos, considerados pessoas com maturidade suficiente para tomar
decisões. É certo que os bebés são pessoas em amadurecimento, mas eu julgo que esta
caracterização está assente no negativo (na imaturidade dos bebés) e não no
positivo, isto é, nas suas competências de expressão do seu desconforto e
bem-estar e nas competências relacionais e de aprendizagem.
Tal caracterização pelo negativo
encontra-se muitas vezes na base da actuação autoritária e sem questionamentos
do adulto («Fazes assim porque eu é que sou o adulto e eu é que mando»; «Ele
está a gritar porque não quer vir embora. Pega-se nele com força e dá-se uma
palmada “pedagógica”. Tem de perceber que quando eu digo que é para vir embora,
é mesmo. Tem de aprender que quem manda sou eu, senão nunca mais tenho mão
nele») e alimenta projecções do adulto em relação ao comportamento do bebé («Ele
está chorar e a pedir colo. Está muito mimado. O melhor é não dar atenção, para
que aprenda a ser mais independente e
não o habituar a que se chorar tem tudo o que quer»).
Contudo, questiono-me porque é
que: primeiro, o comportamento espontâneo do bebé não é entendido como
expressão da sua vontade, à luz da sua maturidade e, como tal, passível de
aceitação; segundo, a vontade não é vista como uma competência precoce e que
amadurece associada às respostas complementares e amantes dos cuidadores;
terceiro, porque é que corresponder ao comportamento espontâneo do bebé é visto
numa linha contrária à educação; e, finalmente, porque é que educar é controlar
e limitar e não de negociar, tolerar a agressividade do outro, ter paciência,
ouvir e cooperar.
Ou seja, porque é que, dentro da
sua maturidade, o bebé não é visto como alguém essencialmente competente? Competente
na leitura que faz das suas necessidades biológicas, na procura de se fazer
entender face ao seu mundo relacional, de entender o mundo humano e físico que
o rodeia, questionando-o através da exploração, e com uma capacidade de aprendizagem
espantosa e provavelmente inegualável ao longo da sua vida.
Parece que os adultos “sabem”
melhor o que é que os bebés estão a pedir do que eles próprios. E isso é tanto
mais frequente quanto mais pequenos são. Nem sempre é dada grande credibilidade
à leitura que o próprio faz das suas necessidades e vontades. Neste sentido,
não é raro ouvirmos: «É um bebé, não sabe o que quer ou o que tem» ou «É um
bebé não tem querer».
Reflectindo
sobre estas questões, penso que tal acontece porque, quando o bebé é muito
pequenino, nem sempre é facil empatizar e compreender a sua
linguagem/comunicação e isso gera ansiedade nos pais, que a podem tentar
controlar... controlando o comportamento do seu filho. Acresce que alguns pais rejeitam
ou perderam o contacto com o seu lado infantil e têm maior dificuldade em
“olhar” o seu bebé numa perspectiva “infantil” . Depois, existe uma dificuldade
dominante nos adultos em saber tolerar e reagir de forma positiva aos
comportamentos agressivos nos bebés e nas crianças, sentidos imediatamente como
negativos e a controlar, e não como expressão natural e espontânea da
frustração, que a meu ver deve levar a uma negociação de vontades... e não a
uma imposição de uma vontade (geralmente a do adulto).
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