26/02/2018

Origem da Depressão


por Catarina Nascimento Rodrigues

Publicado originalmente no Jornal Público a 18 de Maio de 2017



Tenho aprendido com os meus pacientes que a depressão é sempre uma depressão infantil, na medida em que radica numa dinâmica relacional primária sentida como desvalorizante do próprio na infância. A continuidade e coerência dessa experiência tem impacto na mente do bebé ou da criança, no sentido de ficar imprimida na mente. Efectivamente, o conhecimento que o bebé tem das figuras parentais é um conhecimento emocional fino, detectando emoções que, nos pais, podem, inclusive, ser inconscientes. Coimbra de Matos tem uma expressão feliz neste sentido: a criança não aceita a mentira. O bebé e a criança são verdadeiros e sentem a verdade das emoções. Não há esconderijo emocional para os sentimentos dos pais. O bebé sabe se os seus pais gostam ou não dele. E sabe-o desde a mais tenra idade, acumulando experiência através do modo de lhe pegam, tocam, embalam, falam, cuidam, alimentam e brincam.

Não há nenhum mistério aqui: o bebé sabe a verdade, porque ao nível do não-verbal – que é o meio comunicacional privilegiado para o bebé – não conseguimos mentir/disfarçar os nossos sentimentos. Somos traídos pelo não-verbal, como tão bem chamou a atenção Freud.

Trata-se, pois, de um vivido essencialmente emocional, no sentido de não ter de ser verbalizado de forma directa pelos pais, mas cuja autenticidade radica na comunicação intersubjectiva. “Eu sinto que os meus pais não apostam muito em mim com futuro homem. Não acham que eu perceba de política, não me vêm como capaz de ganhar a vida por mim mesmo, sem a ajuda deles. E sinto isso de formas tão subtis como na maneira como falam comigo e como falam com amigos meus, como enaltecem as capacidades dos meus pares. Eu fico na sombra”.

Por isto, a depressão não é um luto. Não se trata da dor da perda de alguém significativo. O que predomina é a ausência ou pouca força ou a perda do investimento amoroso da(s) figura(s) significativa(s), de forma autêntica e persistente. Sublinho perda do investimento amoroso, e não perda do amor, porque os pacientes que estão deprimidos não têm dúvida do amor dos seus pais. O seu drama é sentir que, embora o amando, os seus pais não investiram nele. É isso que causa a depressão, a retirada do valor próprio. “Os meus pais não me sentiram com valor. Não acreditaram nem apostaram no meu valor. Não investiram tempo e capacidade emocional a tentar conhecer-me e ajudar-me. Fá-lo-iam se eu tivesse valor. Não o fazem porque sentem que não vale a pena investir me mim”.

O sintoma que mais caracteriza a depressão é a desvalorização. Desvalorização do próprio em relação a si mesmo, decorrente da desvalorização que sentiu das suas figuras significativas em relação a si mesmo. Não existe depressão sem essa desvalorização das figuras significativas, consciente ou inconsciente. “No meu caso, eu estava mais atenta à questão do abandono, porque era talvez o que me lembrava melhor e o que, na minha história, aparecia de forma mais consciente e evidente: a ida da mãe para o estrangeiro aquando dos meus 2 anos e meio em busca de viver uma paixão, logo após o divórcio com o meu pai. Percebo que o abandono faz parte intrínseca da minha história, das minhas vísceras, e que deixou uma vulnerabilidade onde se vai instalar de forma tão forte os aspectos depressivantes que vivi na relação com os meus pais: o facto de ter sentido, em ambos, palavras e comportamentos que me fizeram não sentir valorizada. Viam-me como uma menina (não como um projecto de mulher), como dependente deles… E veja que este olhar desvalorizador vai desde coisas tão pequenas como a culinária… e a coisas tão grandes como o nunca dizerem que eu era bonita”.

O paciente sente-se desinvestido pelos pais, sentindo que estes dão mais importância às suas limitações, defeitos, incapacidades, insuficiências do que às suas capacidades e talentos. Por isso, a arte na terapia é recuperar o olhar do paciente sobre os seus talentos… Reconhecendo-os e expandindo-os. Insuficiências todos temos, mas podem cair da ribalta por falta de luz sobre eles, como diria Coimbra de Matos.

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