por Catarina Nascimento Rodrigues
Publicado originalmente no Jornal Público a 18 de Maio de 2017
Tenho aprendido com os meus
pacientes que a depressão é sempre uma depressão infantil, na medida em que
radica numa dinâmica relacional primária sentida como desvalorizante do próprio
na infância. A continuidade e coerência dessa experiência tem impacto na mente
do bebé ou da criança, no sentido de ficar imprimida na mente. Efectivamente, o
conhecimento que o bebé tem das figuras parentais é um conhecimento emocional
fino, detectando emoções que, nos pais, podem, inclusive, ser inconscientes.
Coimbra de Matos tem uma expressão feliz neste sentido: a criança não aceita a
mentira. O bebé e a criança são verdadeiros e sentem a verdade das emoções. Não
há esconderijo emocional para os sentimentos dos pais. O bebé sabe se os seus
pais gostam ou não dele. E sabe-o desde a mais tenra idade, acumulando experiência
através do modo de lhe pegam, tocam, embalam, falam, cuidam, alimentam e
brincam.
Não há nenhum mistério aqui: o
bebé sabe a verdade, porque ao nível do não-verbal – que é o meio
comunicacional privilegiado para o bebé – não conseguimos mentir/disfarçar os
nossos sentimentos. Somos traídos pelo não-verbal, como tão bem chamou a
atenção Freud.
Trata-se, pois, de um vivido
essencialmente emocional, no sentido de não ter de ser verbalizado de forma
directa pelos pais, mas cuja autenticidade radica na comunicação
intersubjectiva. “Eu sinto que os
meus pais não apostam muito em mim com futuro homem. Não acham que eu perceba
de política, não me vêm como capaz de ganhar a vida por mim mesmo, sem a ajuda
deles. E sinto isso de formas tão subtis como na maneira como falam comigo e
como falam com amigos meus, como enaltecem as capacidades dos meus pares. Eu
fico na sombra”.
Por isto, a depressão não é um
luto. Não se trata da dor da perda de alguém significativo. O que predomina é a
ausência
ou pouca força ou a perda do investimento amoroso da(s) figura(s)
significativa(s), de forma autêntica e persistente. Sublinho perda do
investimento amoroso, e não perda do amor, porque os pacientes que estão
deprimidos não têm dúvida do amor dos seus pais. O seu drama é sentir que,
embora o amando, os seus pais não investiram nele. É isso que causa a
depressão, a retirada do valor próprio. “Os meus pais não me sentiram com
valor. Não acreditaram nem apostaram no meu valor. Não investiram tempo e
capacidade emocional a tentar conhecer-me e ajudar-me. Fá-lo-iam se eu tivesse
valor. Não o fazem porque sentem que não vale a pena investir me mim”.
O sintoma que mais caracteriza a
depressão é a desvalorização. Desvalorização do próprio em relação a si mesmo,
decorrente da desvalorização que sentiu das suas figuras significativas em
relação a si mesmo. Não existe depressão sem essa desvalorização das figuras
significativas, consciente ou inconsciente. “No meu caso, eu estava mais atenta
à questão do abandono, porque era talvez o que me lembrava melhor e o que, na
minha história, aparecia de forma mais consciente e evidente: a ida da mãe para
o estrangeiro aquando dos meus 2 anos e meio em busca de viver uma paixão, logo
após o divórcio com o meu pai. Percebo que o abandono faz parte intrínseca da
minha história, das minhas vísceras, e que deixou uma vulnerabilidade onde se
vai instalar de forma tão forte os aspectos depressivantes que vivi na relação
com os meus pais: o facto de ter sentido, em ambos, palavras e comportamentos que
me fizeram não sentir valorizada. Viam-me como uma menina (não como um projecto
de mulher), como dependente deles… E veja que este olhar desvalorizador vai
desde coisas tão pequenas como a culinária… e a coisas tão grandes como o nunca
dizerem que eu era bonita”.
O paciente sente-se desinvestido
pelos pais, sentindo que estes dão mais importância às suas limitações,
defeitos, incapacidades, insuficiências do que às suas capacidades e talentos.
Por isso, a arte na terapia é recuperar o olhar do paciente sobre os seus
talentos… Reconhecendo-os e expandindo-os. Insuficiências todos temos,
mas podem cair da ribalta por falta de luz sobre eles, como diria Coimbra de
Matos.
0 comentários:
Enviar um comentário