por Catarina
Nascimento Rodrigues
Publicado originalmente no Jornal Público de 8 de Junho de 2017
Penso a relação terapêutica como
uma relação de enfoque no maior auto-conhecimento do paciente (e do terapeuta,
por consequência de ser um processo rico também para este), de onde resulta uma
maior capacidade de se constituir como agente da sua vida. A relação terapêutica profícua
permite a descoberta de novos estilos relacionais dentro do próprio e é
privilegiada porque, quando se chega ao terapeuta, pelo menos uma parte da
pessoa está receptiva à mudança e à auto e hetero-análise.
Muitas vezes, a mudança é já
desejada pelo próprio, mas, no clima emocional em que vive, por se ter
desenvolvido o que Coimbra de Matos chama o ciclo vicioso, é muito difícil
consegui-la. Constituiu-se um modelo relacional de referência como resposta
possível ao clima emocional oferecido pelas figuras significativas. É
necessário a intervenção criativa e livre de um outro que possibilite ao
sujeito ter a hipótese de desenvolver o estilo relacional desejado ou, pelo
menos, sair da trama emocional enquistada. O terapeuta está numa posição
privilegiada para oferecer tal experiência relacional pela sua formação
profissional, mas sobretudo se se sentir profundamente interessado por aquele
paciente.
Tal caminho não ocorre da noite
para o dia. Necessita de uma continuidade na experiência dessa relação bem
sucedida com o terapeuta para que se consolide e, assim, possa ganhar peso
sobre a dor e a desconfiança na mente moldada pelas más experiências com as
figuras significativas. Demora o seu tempo a que a confiança no amor/interesse
genuíno do outro por nós próprios (e, consequentemente, a confiança e interesse
de nós por nós próprios) tenha mais peso que a desconfiança (no sentido de
perda de confiança) no outro (e em nós), assente numa experiência precoce
decepcionante e desvalorizante. Demora tempo a deixarmos de nos ver no reflexo
do espelho dos outros significativos e passarmos a vermo-nos noutros espelhos,
que, narcisando-nos, nos permitem construir o nosso próprio espelho: vermo-nos
a nós próprios. Demora tempo a perceber como esse espelho primário nos
deformou e acreditar que podemos ter outra forma. Uma forma que intuímos em
relação a nós próprios e que é aquela que esperamos que o terapeuta
reconheça e com a qual se relacione… dando menos enfoque à forma de
relacionar doente e enquistada… que acaba, numa análise bem sucedida, por
perder a dominância.
Provavelmente, existe um limite
para a transformação possível pela psicoterapia. Existe provavelmente um núcleo
que, tendo sido instituído precocemente, antes da palavra, como em situações de
quadros de depressão, é difícil reverter. O olhar da terapia é, por isso, para
mim, para o futuro. Só no futuro podemos fazer diferente. Mais conhecedores de
nós próprios e com novas ferramentas relacionais, emergentes no afecto e na
sintonia da relação terapêutica. Por isso, falo de esperança. Esperança num
futuro diferente. Mais feliz, num sujeito mais capaz de se sentir agente da sua
vida, com maior conhecimento de si mesmo e dos outros, mais livre para optar
nas relações que o rodeiam.
O trabalho psicoterapêutico é
acompanhar o paciente na sua auto-análise. Neste processo existe alívio e cura
do sintoma… mas é a relação afectiva estabelecida entre terapeuta e paciente que
traz um novo estilo relacional que será o grande motor de mudança do sujeito.
Ou seja, a pessoa não muda apenas porque compreende a sua história. A pessoa
muda porque existe uma relação onde, sentindo-se amado/apreciado, compreendido
e estimulado, ganha motivação/impulso para se lançar na sua própria vida, para
dar acção ao seu projecto de vida: aquilo que acredita/sente que é o que o faz
sentir realizado e feliz.
É possível anular completamente
a tristeza? Penso que não. A maior auto-consciência não anula a tristeza de
sentir que, com certas figuras significativas, o sujeito não consegue ter uma
relação de intimidade, confiança e desenvolvimento. Mas aceita-se a realidade.
Não é possível. E, por isso, talvez se sofra menos. Diminui a culpa. Aumenta
a esperança na procura de novos parceiros de desenvolvimento.
0 comentários:
Enviar um comentário