26/09/2013

Direito a brincar com o lado infantil dos pais

Jornal Público (8 de Setembro de 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Brincar apaixonadamente com o seu bebé é o modo mais natural de relação com este e aquele que melhor o ajuda a crescer. O enamoramento tem a grande virtude de trazer um olhar mais tolerante e menos exigente e torna o brincar/o prazer a base da relação. Contudo, nem todos os pais se sentem à vontade para brincarem com o seu bebé. Provavelmente, não souberam o que foi brincar com os seus próprios pais. E muito provavelmente, com o passar dos anos, esqueceram o que sentiram e o que pensaram quando crianças. Outros podem não ter esquecido, mas calaram a voz infantil para privilegiar a voz de adulto (confundida com autoridade), provavelmente porque os faz sentir mais seguros e confiantes.

Em meu entender, comunicar/brincar com o seu filho depende essencialmente da sua capacidade para tomar contacto com o seu lado infantil e para refletir sobre a sua experiência como bebé e criança. Efetivamente, compreendemos melhor os nossos filhos quando a sua comunicação (não verbal e verbal) encontra ressonância e empatia dentro de nós. Ou seja, quando o nosso filho comunica diretamente com o nosso “bebé interior”.

Quando falo em “bebé interior”, refiro-me à imagem que guardamos a partir da experiência que tivemos enquanto bebés, do modo como sentimos a relação com os pais: o que guardamos do que foi bom (e é para repetir) e o que guardamos do que não foi bom (e que pretendemos fazer diferente ou, na ausência de consciência, projetamos para o exterior). Contudo, esclareça-se, nem sempre tal imagem coincide com o bebé real que se foi na infância, ainda que se encontre sempre em relação com ele.

O “bebé interior” tem a ver com o nosso “eu” mais genuíno. É a expressão interna de uma matriz relacional assente na expectativa precocíssima de um cuidado parental assente na tolerância, no estímulo, na espontaneidade e no amor. Tal cuidado parental é reconhecido precocemente, e de modo não consciente, pelo bebé, funda o psiquismo e influencia de forma inequívoca o estilo relacional da pessoa. A sua ausência faz surgir a resposta psicopatológica.

Quando em contacto com o nosso “bebé interior”, ficamos mais aptos a compreender que muitas vezes somos injustos, culpabilizantes, humilhantes, agressivos e intolerantes com os nossos filhos, porque respondemos com uma contra-identificação ao seu lado infantil. Usamos e abusamos da voz de adulto autoritário, porque temos pouca tolerância em pensar sobre as razões porque os nossos filhos não fazem aquilo que dizemos. Talvez tenhamos dificuldade em olhá-los como seres com vontade própria e capacidade de escolha precoces. Talvez nos custe sabê-los como seres independentes e com impulso para a autonomia logo desde o nascimento. Talvez nos sintamos inseguros… e usemos a farda de pais porque precisamos sentirmo-nos importantes.

Aquilo que pretendo transmitir é que, enquanto pais, podemos e devemos dar ouvidos à nossa voz infantil e comunicarmos, brincando (a linguagem do bebé), com os nossos filhos com a liberdade e a espontaneidade que estes possuem face ao mundo. Pode constituir, inclusive, a oportunidade de expansão do seu “eu”, mais capaz de uma relação de maior proximidade, liberdade, satisfação e amor.

Comunicando através da voz da infância, percebemos que estar com o nosso filho não tem de ter a tónica no educar, mas no escutar a sua vontade. É ele o nosso guia na brincadeira, mostrando o que quer conhecer/explorar/brincar. Sentemo-nos no chão com ele. Andemos atrás dele a ver o que nos quer mostrar. Olhemos com o olhar infantil e deslumbremo-nos com a luz, a cor, a forma das coisas em que o nosso filho toca e toquemo-las como ele o faz. E novamente crianças, damos por nós a sorrir, maravilhados como ele. Depois, como se de mágicos nos tratássemos, podemos desvelar-lhe mais potencialidades dessas mesmas coisas. E colocar mais brilho nos seus olhos, vivos e ávidos de novos conhecimentos.

Direito a ter pais imperfeitos

Jornal Público (11 de Agosto de 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
catarina.nasc.rodrigues@gmail.com

Quando o mundo mental dos pais assenta numa base insegura, as dúvidas, as comparações, as críticas e os julgamentos podem ser sentidos como “imperfeições”… e perturbar a disponibilidade emocional para ler as necessidades dos filhos. Ou seja, tais “imperfeições” transformam-se em pedras que emperram a fluidez da relação pais-filhos.

Isso sucede porque o amor próprio não está alicerçado numa base de auto-confiança, mas de insegurança, desvalorização e extrema exigência. Assim, em momentos de maior fragilidade ou tensão, a falta de confiança domina o olhar sobre a maneira de educar e estar com os filhos… e bloqueia a espontaneidade e criatividade, impedindo o desenvolvimento de um ciclo virtuoso.

Por exemplo, perante pessoas significativas, pode agir com os seus filhos de forma mais contida, ansiosa e exigente. Serão momentos onde aumenta a probabilidade de você achar que os seus filhos se “comportaram mal”. Por um lado, quer certamente que se orgulhem de si e estará menos tolerante com alguns comportamentos dos seus filhos, que são sentidos como naturais noutras situações. Por outro lado, está tão alerta ao que essas pessoas dizem/fazem que deixa de estar em sintonia com a comunicação verbal e não-verbal dos seus filhos. E pode até dar por si a procurar “modelos” nos outros, em detrimento de valorizar o que pensa e sente que é correto.

O sentimento de insegurança está correlacionado com a relação primária e a experiência emocional concreta de não se sentir que as pessoas significativas reconheceram nem reconhecem competência e maturidade, mostrando-se exigentes ou insatisfeitas ou desvalorizadoras ou distantes ou fechadas em si mesmos e nos seus problemas.

Geralmente, ser pai favorece a aproximação aos seus próprios pais, reativando desejos e necessidades insatisfeitas. Quando permanece o desejo de ser valorizado pelos seus pais, a função parental pode ser sentida como mais uma oportunidade para transformar a imagem que sente que estes têm de si… e desenvolver com eles um tipo de relação sanígeno.

Contudo, nem sempre tal transformação é possível. Não é fácil mudar dinâmicas instaladas sem que exista da parte dos vários membros uma capacidade de aceitação, reflexão e motivação para a mudança.

Por isso, a transformação mais certa é aquela que pode operar em si mesmo. Reflita sobre a sua exigência para consigo e sobretudo para com os seus filhos. Talvez radique no facto de continuar a exigir-se uma imagem de competência sem falhas. Aquela que sem dúvida lhe granjearia o valor tão esperado. E se irrite tanto ou se sinta frustrado quando as “imperfeições” aparecem em si e nos seus filhos. Talvez se sinta desiludido com os seus filhos por não serem “perfeitos”, pois tal agudiza o seu sentimento de estar aquém/ser falhado como pai.

Contudo, a questão que gostaria de deixar para refletir é: para quem quer ser perfeito? E para quem quer que os seus filhos sejam perfeitos?

Saiba que os filhos aceitam pais imperfeitos na sua maneira de os educar, desde que sintam, desde o primeiro momento da relação, que são respeitados e amados de forma incondicional. Percebem que os pais se esforçam por lhes corresponder de forma sensível, adequada e contingente, mas que nem sempre o conseguem… E estão dispostos a procurar fazer-se entender até que a comunicação esteja afinada entre uns e outros. Acreditam na capacidade dos pais.

E, além disso, face aos pais imperfeitos, as crianças estão mais à vontade para serem autênticas: com as suas birras para mostrar a sua vontade própria; “más” maneiras a comer à mesa, porque estão a explorar a comida e a treinar comer sozinhos; sujar-se, porque brincar implica explorar; responder-lhe “não” porque sabem que são considerados como pessoas.

Concluindo, os bebés têm direito a ter pais que convivam com a sua imperfeição. E assim tenham disponibilidade emocional para conviver com a imperfeição dos seus filhos.

Os Direitos dos Bebés

Jornal Público (21 de Julho de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Quando é que começamos a ter direitos? Podemos falar de direitos dos bebés? E porque seriam importantes?

Apesar da evolução positiva que se tem vindo a operar em relação ao conceito de bebé, realço a importância desta fase fundadora do desenvolvimento humano… e de como depende de uma série de condições basilares, a que denominarei direitos dos bebés.

De modo a poder explorar melhor este tema, irei refletir convosco ao longo de alguns artigos. Este versa sobre o:

Direito a ter pais emocionalmente disponíveis

Quando nasce, o bebé é um ser humano. Mas só se torna pessoa através da relação com os seus cuidadores, como o demonstram os estudos sobre a interação mais precoce. Depende do estabelecimento de um vínculo amoroso por parte dos cuidadores e da capacidade destes para responder de forma sensível, contingente, adequada e criativa às necessidades/comportamentos do bebé. E do reconhecimento de como esta relação é fundadora do seu “eu”.

A função parental é, pois, exigente, porque começa numa fase que não está assente na linguagem verbal, exigindo capacidade de se colocar no lugar do bebé e de escutar e agir com o coração. Isto é, que se esteja emocionalmente disponível para entender a comunicação emocional do bebé e corresponder-lhe empaticamente.

Em meu entender, tal é facilitado quando os pais conseguem recuperar e ouvir o bebé que vive dentro de si. Ou seja, quando os pais se permitem “ser bebés”, sem perder o seu estatuto de adulto.

Alguns pais têm esta capacidade de forma natural e intuitiva. Outros têm mais dificuldade. Provavelmente eles próprios não puderam ser bebés de forma livre e espontânea. São pais que confundem educar com autoritarismo e domínio e que olham para o bebé centrados na sua perspetiva de adulto, exigindo-lhe uma maturidade que este não possui… Ora, o bebé respeita as normas dos adultos, quando primeiro sente que os adultos o respeitam, mais do que o “educam”/limitam face à sua vontade de agir sobre o mundo.

Quando nos permitimos olhar para o bebé deixando ressoar o bebé que está dentro de nós, percebemos que o brincar e a demonstração de amor, orgulho e de incentivo são a sua linguagem e que é através desta que ele cresce e se desenvolve. Afinal, todos são manifestação da nossa confiança genuína na capacidade daquele em conquistar com competência o mundo que será o seu.

Assim sendo, defendo que deve ser o adulto a adequar-se à imaturidade da comunicação do seu bebé, reconhecendo na brincadeira o modo como ele experimenta, entende e aprende sobre o mundo que o rodeia. Por isso, “fale” com ele através da brincadeira e da exploração, criando alternativas para aquilo que ele não pode fazer. Exige mais tempo e mais criatividade que irritar-se ou limitar a sua ação com um “não” retumbante. Mas o seu bebé aprende consigo alternativas ao que não pode fazer, encarando a vida como algo que pode sempre conquistar. Se não de uma forma, então de outra.

Tomemos o exemplo da birra. Antes de se irritar, exigir ao seu bebé que se comporte “bem” e procurar dominá-lo com gritos, bater-lhe ou deixá-lo sozinho, respire fundo, dê tempo para essa manifestação, procure perceber o que está a ser transmitido e aceite-o como válido e adequado. Os bebés comunicam de forma muito genuína o que necessitam. Sente-se ao pé dele, ouça-o, procure entender e leve a sério a sua vontade. Não se fixe na emoção negativa. Abrace-o e acarinhe-o. Vai ser bom para os dois e diminui a tensão. Todos nós nos acalmamos quando alguém se disponibiliza para nos ouvir e perceber a nossa razão. Com os bebés é igual.

Mas para o ajudar a compreender os motivos da recusa e a descobrir alternativas, tem de usar a linguagem da brincadeira. Explique a razão do seu não e cative a sua atenção para outra coisa. Ele está ávido de aprender mais sobre o mundo que o rodeia. Rapidamente percebe que há mais para explorar e não se importará de deixar o que estava a fazer. Sobretudo, se você for o seu alegre companheiro de exploração!

Afinal, qual é o papel dos pais?

Jornal Público (26 de maio de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Assistimos a mudanças qualitativas na relação entre pais e filhos, crescendo o número de pais que reconhecem a importância de acompanharem o desenvolvimento do seu bebé. Alguns, privilegiados, fazem alterações na sua vida profissional de modo a que aqueles possam ficar os 2 ou os 3 primeiros anos de vida em casa com um dos pais, a tempo parcial (mais raramente a tempo inteiro), com o apoio ou dos avós, ou de uma ama, ou mesmo de uma creche, onde deixam o filho nos dias em que têm de ir trabalhar. O que não abdicam é de um período exclusivo com os seus filhos, em que se dedicam inteiramente a eles e se focam no prazer de estar com eles.

São pais emocionalmente disponíveis para os seus filhos, graças, também, ao crescimento financeiro que se observou nas décadas anteriores e que deixou os pais mais libertos das preocupações com as necessidades básicas de comer e da saúde e, por isso, disponíveis para uma outra necessidade básica que é liberdade/tempo para amar.

A crise atual já está a inverter este ciclo… mantendo-nos contínua e cronicamente afastados das políticas de assistência à família que vemos em países mais desenvolvidos. Países onde os governos sabem que mais amor na infância gera adultos mais seguros, menos doentes psicologicamente e mais capazes de construir uma sociedade melhor.

As mudanças a que assistimos impõem, pois, que pensemos qual o papel dos pais contemporâneos.

Afinal, qual é o nosso papel?

O bebé tem um potencial de desenvolvimento emocional saudável enorme. Ao nascer, espera sobretudo um meio acolhedor da sua espontaneidade e está disponível para aprender tudo o que é humano pelo humano, nomeadamente através das figuras parentais.

O impulso para o desenvolvimento efetiva-se na interação com o humano. Só me interesso pelos outros porque antes alguém se interessou por mim e me mostrou que os outros são, por isso, dignos do meu interesse. Sem este interesse primordial, o bebé fica cativo de uma necessidade insatisfeita e, embora vá crescendo fisicamente, emocionalmente permanece com esta necessidade em suspenso.

Note-se, pois, que os bebés não são tábuas rasas nem aceitam todo o tipo de cuidado que lhes é prestado, embora, dada a sua imaturidade e dependência, não tenham outra solução senão moldar-se.

Ora, em meu entender, é necessário reconhecer o bebé como uma pessoa em desenvolvimento. Fazendo-o, o nosso olhar sobre ele altera-se. De repente, não somos nós, adultos, que estamos no centro da questão, mas o bebé. O que é que isto quer dizer?

Quer dizer que, ao desejo epistemofílico inato do bebé deve corresponder uma atitude facilitadora dos pais. Quando falo em atitude facilitadora dos pais, estou a referir-me ao impulso natural dos pais em apresentar o mundo (natural e humano) ao seu bebé, por um lado, e em “seguir” a curiosidade do bebé no seu processo de conhecimento, por outro.

Ou seja, após uma primeira fase em que é o adulto que “inicia” a apresentação do mundo que será o do seu filho (no primeiro trimestre de vida), progressivamente vai sendo o bebé a comandar. Se a sua curiosidade é respeitada e respondida, o bebé sente-se competente na sua capacidade de exprimir o que quer e torna-se cada vez mais explícito sobre as coisas que quer ver, mexer e experimentar.

Assim sendo, penso que a arte da função parental é dar a resposta adequada ao desejo de conhecer inato do bebé. Neste sentido, os pais são como um farol (usando as palavras de António Coimbra de Matos): alguém que ilumina o caminho para que o outro possa fazer a sua escolha.


Contudo, só iluminar não chega. Para que a aprendizagem se instale numa auto-estima segura, é necessário que exista prazer e alegria inegáveis, espontâneos e consistentes face às conquistas do filho. É a luz do orgulho que ilumina a face parental que bafeja o amor próprio do filho, deixando sementes bem seguras de sentimentos de competência e de ser amado!

Orgulho Parental - o ingrediente secreto

Jornal Público (28 de Abril de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

É bem cedo no desenvolvimento infantil que nos apercebemos da importância do olhar e das verbalizações de orgulho por parte das figuras parentais em relação às conquistas que os filhos vão fazendo e da influência que têm na perseverança e na confiança da pessoa ao longo da vida.

Em minha opinião, tal importância é reconhecida pelo bebé tão cedo quanto os 4/5 meses. Efectivamente, crescendo no seio de uma relação de amor, é por volta dessa idade que podemos observar que o bebé faz coisas com intenção de despoletar reacções de orgulho e de espanto nos pais. Por exemplo, pegou num livrinho que os pais lhe costumam ler, ri e olha para os pais à espera da resposta. Com mais idade, olha para os pais enquanto faz alguma coisa e bate palminhas e ri – exemplificando a reacção que “espera” da parte dos pais. Comportamento que demonstra bem como, precocemente, somos capazes de “pedir” aquilo de que precisamos para crescer: o deslumbre, o orgulho e o prazer do outro significativo… Para o perceber, basta estar atento e disponível emocionalmente.

A luz que é projectada do olhar de orgulho parental é captada e interiorizada pelos filhos sob a forma de reconhecimento da sua competência, de deslumbre face à capacidade demonstrada. Em suma, de orgulho face ao filho que se tem.

Quando somos bebés, o olhar é um veículo por excelência da comunicação intersubjectiva entre nós e o outro. Há outros sinais comunicantes, como as hormonas, e que captamos a um nível não-consciente e que nos dão informação mais precisa sobre a sintonia entre aquilo que vemos e que sentimos por parte do outro. E que antes de falarmos e de compreendermos bem a linguagem verbal se tornam informação preciosa sobre como somos vistos, sentidos e compreendidos pelo outro significativo.

Os bebés são extremamente sensíveis às emoções dos pais e conseguem discriminar a genuinidade das suas expressões. Como seres não falantes, os bebés são peritos na captação da informação não-verbal e essa informação fica guardada na memória de uma forma não-consciente, como proto-sentimentos ou precursores de sentimentos.

Percebemos bem essa importância quando estamos diante de pessoas que se não se sentiram o alvo do orgulho dos pais e de como isso funcionou como um agente depressígeno em toda a sua vida. A falta do orgulho parental deixou uma pedra no sapato que impediu a pessoa de andar bem, correr e até de saltar os obstáculos da vida.

Na ausência da luz do orgulho parental (que dá calor e energia), fica a sombra fria da depressão, que bloqueia o ânimo e a confiança.

Sou como fui visto/amado

Para compreendermos bem porque é que o papel dos pais é tão importante no desenvolvimento, temos de pensar sobre o seu papel na construção da nossa identidade.

Embora tenha uma base biológica, a identidade é uma construção relacional. Precocemente (até aos 18 meses de idade), bebé identifica-se pela incorporação-assimilação da imagem com que o outro o define. Ou seja, “sou como fui conhecido”. Vou construindo a minha ideia de mim através da assimilação que faço da imagem que os meus pais me devolvem de mim próprio. Coimbra de Matos designa-a por identificação imagóico-imagética.

Por isso, quando falo em orgulho parental não estou a falar de orgulho narcíseo (em que os pais se orgulham de forma narcísica do elevado desempenho dos seus filhos), mas sobretudo da espontaneidade do prazer de conhecer e de ver o nosso filho descobrir e actuar no mundo. Isso, por si só, é deslumbrante!

Tal olhar parental fá-lo sentir-se único, especial e capaz de conquistar o mundo. E isso é tudo o que é preciso para se desenvolver. Os limites e as frustrações, as insuficiências e as decepções serão ensinamentos da vida, que poderão ser melhor geridos – isto é, sem afectar a auto-estima – quanto mais a pessoa se sentiu apreciada e valorizada. Um valor que fará parte da sua reserva interna: «Sei do meu valor como pessoa porque fui e senti-me valorizado/amado».

Dicas para umas férias mais felizes

Dicas para umas férias mais felizes!
Revista Pais & Filhos (Agosto 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Chegou o mês de Agosto, o mês das férias por excelência em Portugal. Um período muito sonhado e desejado ao longo do ano por toda a família!

Porém, como em tudo o que é muito sonhado e em que há pouco tempo para vivê-lo, as férias podem deixar um sentimento de alguma frustração, nomeadamente nos pais. Porque não conseguiram descansar tudo o que precisavam (quando começavam a sentir a cabeça livre, já as férias estavam no fim), porque sentem que nem sempre é fácil equilibrar as várias necessidades em jogo (como é possível descansarem e gozarem do dolce fare niente com filhos pequenos, seres cheios de energia, de vontade de estar, brincar e mostrar tudo aos pais?), mas também porque se vêem a braços com os seus filhos a tempo inteiro, com a necessidade de os entreter… e sem terem o curso de educadores!

São alturas em que alguns pais sentem que os seus filhos são demasiado exigentes e cansativos, que fazem mais birras e não lhes obedecem. E dão por si a pensar no seu trabalho e na escola dos filhos como momentos em que podem, efetivamente, fazer férias… dos filhos.

Não sei se são os filhos que são mais exigentes nas férias, se são os pais que andam cansados, mais exigentes com os filhos e com pouca paciência para a sua imaturidade e para o que isso implica em termos de disponibilidade emocional… Penso, também, que o facto de estarem 24h juntos tem repercussões quer nos filhos quer nos pais. Demora algum tempo para que se sintonizem e adaptem os ritmos e as necessidades uns dos outros. Mas com amor, respeito, tolerância e boa-disposição tudo se consegue!

É com base nesta ideia que vos deixo algumas sugestões, que, espero, vos ajudem a refletir e a encontrar o vosso equilíbrio, para que, no final das férias, sintam que estão mais próximos e unidos à vossa família e que, apesar de todas as dificuldades, tempestades e chatices, não há, no mundo, outras pessoas com quem mais gostassem de estar! De tal maneira que, na memória de cada um, aquilo que perdure sejam os momentos em que se divertiram e riram em conjunto, redescobrindo o lado cúmplice e acolhedor da vossa família. E em que, como pais, se maravilharam com aqueles pequeninos grandes seres que são os vossos filhos!

Dicas para lembrar em período de férias!

1.       Período de férias exclusivo dos pais (quando não têm bebés, claro!). Tirem alguns dias a dois antes das férias com os vossos filhos ou peçam aos avós para ficarem com eles (mesmo que seja só um fim-de-semana) para poderem descansar e limpar a cabeça do trabalho. Se isso não for possível, pensem na possibilidade de fazerem férias com mais pessoas, sejam avós, tios ou amigos com filhos, de modo a terem momentos a sós e os vossos filhos terem mais pessoas com quem dividir a atenção.

2.       Período de férias para a família nuclear. Momento privilegiado entre pais e filhos, onde impera o vosso ritmo e a vossa identidade como família. Não abdique de usufruir dos seus filhos sem a presença da restante família! Dá mais trabalho, mas fortalece o sentimento de pertença.

3.       Agendar algumas atividades divertidas a pensar nas crianças, mas que faça as delícias de toda a família!

4.       Deixar vir ao de cima o seu lado criança. Estar com uma criança só é cansativo quando estamos indisponíveis, mal connosco próprios, enclausurados na fachada de adultos sérios, organizados, cheios de regras e de responsabilidades… quando não conseguimos resgatar de dentro de nós a nossa própria criança… para brincar e rebolar na areia, juntamente com os nossos filhos.

5.       Perante a birra, desarme os seus filhos com a sua boa-disposição e criatividade. Quando se é criança (e mesmo em adulto!) nem sempre é fácil entender que se tem de ir embora da praia e terminar com aquele momento tão bom. E a birra e o choro surgem como formas de comunicar uma imensa vontade de se continuar ali. Experimentem nessas alturas ir ao encontro do desejo dos vossos filhos: vão vocês mesmos a correr até ao mar e levem-nos convosco. Eles vão rir a bandeiras despregadas e o choro desaparece como por magia. Depois, entre beijinhos, meiguices e palavras de compreensão pela tristeza e frustração deles, ajudem-nos a perceber, com calma (não vale a pena stressarem, só agrava a situação), que têm todos de se ir embora… mas que vão voltar ou que vão fazer outras coisas divertidas. Eles próprios também vão querer ir, porque têm fome ou estão cansados. E comecem uma canção que eles gostam e sabem ou inventem uma brincadeira para sair da praia. O importante é alterar o estado de espírito geral para o prazer e a satisfação. É essa a linguagem da criança! Os castigos, o deixar as crianças a chorar, humilhar, criticar, ou mesmo o bater, apenas deixam um mal estar geral que acentua o problema. Empatize com os desejos e necessidades dos seus filhos e use a linguagem do amor e da compreensão. Educar não é autoritarismo. Aprendemos pelo amor, não pela obrigação/medo.

6.       Não estabelecer rotinas rígidas. É verdade que se está com crianças e que existem alguns horários importantes, mas… a todos sabe bem não ter de fazer tudo como nos restantes dias e prolongar os momentos de prazer! Deixem-se guiar pelo prazer e pelas dicas que uns e outros vão dando sobre o que querem fazer e que mudam os planos originais (se os havia) e que tornam as férias um feito da família! E vão descobrir que não é preciso tanta atividade planeada. O prazer de estarem bem uns com os outros é suficiente!

7.       Dividir as tarefas e o tempo em que se está com os filhos, de modo a que haja momentos em que um dos pais está mais concentrado e disponível para os filhos, enquanto o outro pode gozar das carícias do sol e do mar. Esta divisão ainda é mais importante quando sentir que está sem paciência para a energia e as traquinices dos seus filhos. É normal. Você também precisa de descansar. Quando sentir que tudo no seu filho a/o cansa e que só lhe apetece é que ele ande direitinho para que a sua cabeça sossegue, é uma boa altura para se afastar e delegar os miúdos ao pai/mãe. Se estiver sozinha/o com eles, é um bom momento para os levar a algum sítio onde estejam outros pais com crianças, e onde possam extravasar e você descansar um pouco. Ou vão dar um passeio a pé num sítio onde eles possam correr e explorar à vontade.

8.       Recorde que os filhos também têm capacidade de compreender (quando a maturidade mental o permite) as necessidades dos pais. Desde que lhes sejam explicadas com carinho e sinceridade e que a família funcione como uma equipa. O autoritarismo só espelha o nosso cansaço e mal-estar interior, a nossa frustração e irritação, a nossa insegurança e medo. Funcionar como equipa implica que as várias necessidades são respeitadas… com a noção de que as das crianças têm prioridade (tanto mais verdade quanto maior a sua imaturidade). Irritar-se porque quer descansar ou arrumar alguma coisa e o seu filho quer a sua atenção vai fazer com que a situação se agrave, porque o clima emocional se adensa e você perde a capacidade de pensar com calma e com empatia. Provavelmente, se lhe der a atenção que ele quer e o for encaminhando carinhosamente para outra atividade/pessoa, enquanto lhe explica que precisa mesmo de descansar, vai conseguir fazê-lo mais depressa.

9.       Pense também em si e no casal. Não abdique do livro das férias, nem que seja naquele bocadinho em que os filhos se foram deitar e a loiça e as roupas ficaram por arrumar, sem culpas. E encontre tempo para o casal e para namorar. Existem sempre momentos, mesmo que mais curtinhos, em que é possível sentir a união, a cumplicidade e o prazer de se estar a dois.

10.   Paciência e tolerância. Mantenha em mente que não há necessidade de ser tão exigente consigo próprio, com o seu/sua marido/mulher e com os seus filhos. Estão de férias. E viva-as com a certeza que elas nunca serão perfeitas, pois há sempre coisas que não correm como gostaria. Mas que podem ser umas boas férias. Não há férias ideais, assim como não há famílias ideais.

Boas férias!