26/09/2013

Direito a ter pais imperfeitos

Jornal Público (11 de Agosto de 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta
catarina.nasc.rodrigues@gmail.com

Quando o mundo mental dos pais assenta numa base insegura, as dúvidas, as comparações, as críticas e os julgamentos podem ser sentidos como “imperfeições”… e perturbar a disponibilidade emocional para ler as necessidades dos filhos. Ou seja, tais “imperfeições” transformam-se em pedras que emperram a fluidez da relação pais-filhos.

Isso sucede porque o amor próprio não está alicerçado numa base de auto-confiança, mas de insegurança, desvalorização e extrema exigência. Assim, em momentos de maior fragilidade ou tensão, a falta de confiança domina o olhar sobre a maneira de educar e estar com os filhos… e bloqueia a espontaneidade e criatividade, impedindo o desenvolvimento de um ciclo virtuoso.

Por exemplo, perante pessoas significativas, pode agir com os seus filhos de forma mais contida, ansiosa e exigente. Serão momentos onde aumenta a probabilidade de você achar que os seus filhos se “comportaram mal”. Por um lado, quer certamente que se orgulhem de si e estará menos tolerante com alguns comportamentos dos seus filhos, que são sentidos como naturais noutras situações. Por outro lado, está tão alerta ao que essas pessoas dizem/fazem que deixa de estar em sintonia com a comunicação verbal e não-verbal dos seus filhos. E pode até dar por si a procurar “modelos” nos outros, em detrimento de valorizar o que pensa e sente que é correto.

O sentimento de insegurança está correlacionado com a relação primária e a experiência emocional concreta de não se sentir que as pessoas significativas reconheceram nem reconhecem competência e maturidade, mostrando-se exigentes ou insatisfeitas ou desvalorizadoras ou distantes ou fechadas em si mesmos e nos seus problemas.

Geralmente, ser pai favorece a aproximação aos seus próprios pais, reativando desejos e necessidades insatisfeitas. Quando permanece o desejo de ser valorizado pelos seus pais, a função parental pode ser sentida como mais uma oportunidade para transformar a imagem que sente que estes têm de si… e desenvolver com eles um tipo de relação sanígeno.

Contudo, nem sempre tal transformação é possível. Não é fácil mudar dinâmicas instaladas sem que exista da parte dos vários membros uma capacidade de aceitação, reflexão e motivação para a mudança.

Por isso, a transformação mais certa é aquela que pode operar em si mesmo. Reflita sobre a sua exigência para consigo e sobretudo para com os seus filhos. Talvez radique no facto de continuar a exigir-se uma imagem de competência sem falhas. Aquela que sem dúvida lhe granjearia o valor tão esperado. E se irrite tanto ou se sinta frustrado quando as “imperfeições” aparecem em si e nos seus filhos. Talvez se sinta desiludido com os seus filhos por não serem “perfeitos”, pois tal agudiza o seu sentimento de estar aquém/ser falhado como pai.

Contudo, a questão que gostaria de deixar para refletir é: para quem quer ser perfeito? E para quem quer que os seus filhos sejam perfeitos?

Saiba que os filhos aceitam pais imperfeitos na sua maneira de os educar, desde que sintam, desde o primeiro momento da relação, que são respeitados e amados de forma incondicional. Percebem que os pais se esforçam por lhes corresponder de forma sensível, adequada e contingente, mas que nem sempre o conseguem… E estão dispostos a procurar fazer-se entender até que a comunicação esteja afinada entre uns e outros. Acreditam na capacidade dos pais.

E, além disso, face aos pais imperfeitos, as crianças estão mais à vontade para serem autênticas: com as suas birras para mostrar a sua vontade própria; “más” maneiras a comer à mesa, porque estão a explorar a comida e a treinar comer sozinhos; sujar-se, porque brincar implica explorar; responder-lhe “não” porque sabem que são considerados como pessoas.

Concluindo, os bebés têm direito a ter pais que convivam com a sua imperfeição. E assim tenham disponibilidade emocional para conviver com a imperfeição dos seus filhos.

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