(Jornal Público, 16 de Fevereiro de 2014)
Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta
A ansiedade de separação é alvo
de maior atenção no início das aulas. Contudo, da minha prática, não deve ser
pensada como um “fator sazonal”, mas como fazendo parte da personalidade da
criança, refletindo, ao longo do seu crescimento, um estilo inseguro de relação com os outros e com o mundo, presente
nas mais diversas situações (voltar às aulas depois das férias; dormir fora de
casa; explorar o meio à sua volta, perdendo a visibilidade dos pais; interagir
e sentir-se à-vontade e confiante com pessoas estranhas e diante de novas
situações).
O estilo relacional da criança
constrói-se numa interação complexa entre fatores biológicos e relacionais,
destacando-se a influência decisiva que estes últimos (nomeadamente o estilo
relacional parental) têm na expressão das características genéticas.
Desde o nascimento que os bebés
têm uma atenção seletiva em relação aos seus pais e vão fazendo a sua
aprendizagem sobre o estar no mundo por adaptação ao estilo relacional que lhes
é oferecido e por imitação dos comportamentos dos pais. Ora, os pais, na sua
relação com os outros, podem apresentar um tipo de personalidade onde
predominem aspetos ligados à confiança nos outros e em si mesmo e segurança nas
suas capacidades ou onde predominem aspetos ligados ao evitamento social,
desconfiança e insegurança.
Neste sentido, podemos pensar a ansiedade
de separação infantil como recebendo influência da maneira como as figuras
significativas vivem a separação, a independência e a autonomia, mas sobretudo
como projetam a competência do seu filho para a vida e como o ajudam a encontrar
estratégias para superar e vencer as dificuldades.
Efetivamente, consideremos o modo
como os pais vêem e espelham os comportamentos dos seus filhos. É um fator de
relevo, visto que o primeiro tipo de identificação que os filhos fazem é
precisamente ao modo como se sentem vistos e espelhados pelos seus pais (a que
Coimbra de Matos, psicanalista, designou por identificação imagóico-imagética e
que se constitui até aos 18 meses). Ou seja, os bebés identificam-se à imagem
de si mesmos que lhes é devolvida pelos pais na maneira como estes agem e
interpretam os seus comportamentos espontâneos. Podem estar distorcidas pelas
ansiedades, medos e expectativas dos pais e projetadas para o filho, geralmente
assentando numa identificação inconsciente deste aos aspetos sentidos como
falhados e menos bons da personalidade dos pais e face aos quais se sentem
impotentes.
Os pais podem transmitir uma
imagem do seu filho como predominantemente capaz e competente (em ser autónomo
e independente, fazer amigos e encontrar por si mesmo as estratégias para
ultrapassar dificuldades) ou predominantemente frágil, imaturo, inseguro,
nervoso e com dificuldade em gerir os obstáculos. Note-se que aludo ao predomínio de uma imagem-basilar de
competência ou de fragilidade num espectro onde cabem toda as matizes.
Por exemplo, os pais podem percecionar
o seu filho como sendo capaz de fazer amigos e de ser bem-sucedido nos estudos,
ainda que predomine inconscientemente uma imagem frágil e pouco competente deste.
Tal contradição produz uma comunicação parental feita de não ditos e de
comportamentos que são sentidos pelo filho, a nível inconsciente, como
paradoxais entre aquilo que é intuído na comunicação intersubjectiva e aquilo
que é dito de forma consciente.
Identificando-se a esta imagem
parental de si mesmo como pouco competente - que transmitida de forma
inconsciente torna mais difícil a reação filial contrária - perante os desafios
da vida, a criança sente-se insegura e
não consegue ativar as suas competências internas. Sente-se aquém do que é
esperado e bloqueada pelas suas dificuldades.
Porém, geralmente, persiste, no próprio, ao longo da
sua vida, uma esperança: a de uma relação onde tenham de si mesmo uma imagem de
competência para a vida… resistente à frustração do fracasso e assente na
vivacidade do sonho/projeto.
0 comentários:
Enviar um comentário