(Público, 26 de Janeiro de 2014)
Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta
Quantos de nós não se sente com
pouco tempo para o essencial – a família? Numa época com tanta tecnologia e
serviços criados para nos ajudar, parece paradoxal.
Olhemos, no entanto, para a nossa
agenda diária: o tempo libertado por tal tecnologia e serviços parece ter sido
engolido pelo trabalho. O restante está contado ao milésimo para ser possível
fazer tudo o que supostamente é importante. Nomeadamente, colocar os filhos em
atividades extra (dentro ou fora de casa), defendidas por algum técnico como
essenciais ao seu desenvolvimento. Para depois nos darmos conta de que já não
dá tempo para estarmos com eles com calma e sem agenda.
Que sociedade é esta onde pais e
crianças passam mais tempo nos “empregos” do que a usufruírem uns dos outros? E
que deixa tão pouco tempo para a criação de laços de intimidade na família?
Uma sociedade que nos inunda,
direta e indiretamente, de informação de ditos especialistas - ou de não especialistas
a não ser na arte de comunicar com convicção – sobre o que é fundamental ao
desenvolvimento dos nossos filhos, necessariamente a ser mediado pelo consumo de bens, atividades e serviços
considerados excelentes.
A publicidade é um espelho
interessante deste fenómeno. Reparem como veicula que todos os livros, brinquedos ou serviços são excelentes, os melhores
de sempre. Como não os ter?
Vivemos numa sociedade de
superlativos, onde o normal deixou de
ser suficiente. Só é aceitável ser-se o melhor e ter o melhor. Tudo o resto é lixo (brincando com o termo das agências
de rating). A lógica é a da sedução à
aquisição enquadrada num pensamento consumista e de competição. Só assim se compreende
que tudo seja considerado tão
indispensável na nossa vida; que tudo
tenha rótulo de excelente; que tudo
tenha um investimento substancial na aparência e que relegue para segundo plano
o conteúdo.
Além disso, não é valorizada a
durabilidade, mas o consumo. Um consumo rápido – de informação, de comida, de
bens e serviços… e mesmo de relações pessoais – e onde o tempo para se usufruir
das coisas e descobrir as suas potencialidades são valores em desuso.
Para se consumir mais, tem de se
querer mais. Para isso, há que criar insatisfação face ao que se tem e criar
imagens apelativas para suscitar o impulso de desejo de aquisição. Semelhante
lógica gera sentimentos de desconfiança, porque, quando paramos para pensar,
sentimos que a informação veiculada não corresponde à realidade: são uma série
de palavras ou de imagens cuidadosamente estudadas para nos causar impacto e
desejo de aquisição. Estejamos a falar de bens ou serviços.
Neste cenário, a insatisfação e a
frustração são os sentimentos mais frequentes. Apesar de estarmos rodeados de
bens e serviços, por um lado, são poucos os que realmente se destinam a
colmatar genuinamente as nossas necessidades – a grande maioria destina-se a
suscitá-las - e, por outro lado, não existe uma lógica de tempo para se usufruir
e apreciar o que temos. O tempo deixou de ser o tempo presente, para ser o
tempo futuro, onde algo melhor, mais avançado, mais fascinante irá
aparecer.
A mudança tecnológica, a rapidez
da informação, o constante aparecimento de coisas novas faz com que estejamos
sempre a viver num constante apelo à novidade... E temos pouco tempo,
efetivamente, para nos satisfazermos com o que temos. Rapidamente aparece algo
novo e desejável.
Os pais são influenciados por
esta mentalidade e sentem que, com tanta informação e acesso fácil, não têm
desculpas para não dar aos filhos aquilo que é veiculado como o melhor para
eles.
Contudo, creio que o melhor para os nossos filhos é possibilitar-lhes uma relação viva e
entusiasmada connosco. Aquela onde nos interessamos por conhecê-los, o que só é
possível com tempo e sem agenda. Estar com os nossos filhos, deixando-nos guiar
pelos seus interesses, é estimular e expandir as suas competências genuínas. E
isso, sim, traz sentimento de satisfação duradoira!
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