(Jornal Público, 22 de Dezembro de 2013)
Catarina
Rodrigues
Psicoterapeuta
A propósito do Encontro “Nascer e
Crescer Hoje… Que Futuro?” (7/12), promovido pela Associação de Psicanálise e
Psicoterapia Psicanalítica, em que tive o prazer de participar, gostaria de
partilhar convosco algumas reflexões.
Penso que ter um filho hoje é um
ato de esperança face ao desânimo que se instalou na nossa população. Acontece
muitas vezes em fim da idade de procriar e apesar das condições económicas, que
tardam em estabilizar ou crescer.
Tal cenário faz com que sejam
mais frequentes as famílias onde prima o filho único. As questões em torno da
natalidade são, contudo, controversas, como afirmou Coimbra de Matos (psicanalista),
pois o nosso planeta já se encontra no limite em termos de capacidade de
resposta às necessidades de espaço, comida e água que a população humana
representa. Por outro lado, como sublinhou Raquel Varela (historiadora das
relações laborais), hoje as famílias fazem um grande investimento no percurso
académico dos filhos (o que por vezes só é possível para um filho), pois
reconhece-se que quem tem mais habilitações tem maiores opções de escolha no
futuro.
Quando pensamos na família, não
podemos deixar de a inserir na economia capitalista, onde muitas vezes parece
relegada para um segundo plano face à primazia da produção laboral. A produção e o consumo parecem dominar as relações atuais, bem como o discurso que
é dirigido à família. Por um lado, tudo está milimetricamente encaixado para
que se possa dar mais tempo ao trabalho e produzir mais. Por outro lado, realça-se
uma ideia de bem-estar associado ao consumo de bens (produtos e serviços)
ligados a uma imagem de sucesso e de atividade constante.
Tal expectativa invade a esfera
da vida familiar, defendida por estudos de especialistas
que defendem que a aquisição e consumo de determinados produtos e serviços está
diretamente associada ao sentimento de
felicidade e ao excelente desenvolvimento das competências dos
nossos filhos.
A situação de crise em que
vivemos traz dificuldades de monta no cumprimento de tal expectativa social,
dada a precaridade e a instabilidade do emprego. Além disso, muitos são os pais
que se sentem enredados num ciclo perverso: para dar mais também têm de
trabalhar mais e sacrificar o tempo com os filhos. Parece-me existir uma
frustração geral no que toca à disponibilidade parental em proporcionar uma
relação com qualidade, uns porque se sentem condicionados pelas exigências de
disponibilidade de tempo (incondicional) do emprego, outros porque se sentem deprimidos
e encurralados em empregos insatisfatórios, mas que não se arriscam a perder,
outros por causa do desemprego.
Neste panorama, penso que, salvo
raras exceções, a maioria dos pais tem de lidar com a frustração, o receio e a
culpa (por vezes inconsciente) de não terem a capacidade de oferecer tudo o que desejam para o seu filho. E sentem-se
falhar na sua função parental.
Mas será que o bom
desenvolvimento dos nossos filhos precisa de tudo o que socialmente é defendido
hoje? Estaremos diante de uma crise económica ou também de uma crise de
valores?
O meu apelo é pensarmos nos
valores essenciais à família. Não estou com isto, claro, a pretender desvalorizar
a importância do fator económico, mas a perspetivar outras vias de desenvolvimento
na família, trazendo, porventura, um sentimento de satisfação mais duradoiro e
de fortalecimento de laços de intimidade.
Penso que não é preciso dar tudo aos filhos. É preciso dar o essencial. E isso não é um falhanço, é uma mudança de perspetiva face
à vida, porventura mais adequada à realidade que vivemos. Os pais emocionalmente
disponíveis pressentem que a sua presença efetiva, afetiva e entusiasmada é a
base dos sentimentos de ser-se amado e admirado e na formação da resiliência
necessária aos desafios da vida. Efetivamente, o nosso maior “ativo” é interno:
saber-se reconhecido como agente
competente da sua própria vida por quem amamos e admiramos.
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