26/09/2013

Os Direitos dos Bebés

Jornal Público (21 de Julho de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Quando é que começamos a ter direitos? Podemos falar de direitos dos bebés? E porque seriam importantes?

Apesar da evolução positiva que se tem vindo a operar em relação ao conceito de bebé, realço a importância desta fase fundadora do desenvolvimento humano… e de como depende de uma série de condições basilares, a que denominarei direitos dos bebés.

De modo a poder explorar melhor este tema, irei refletir convosco ao longo de alguns artigos. Este versa sobre o:

Direito a ter pais emocionalmente disponíveis

Quando nasce, o bebé é um ser humano. Mas só se torna pessoa através da relação com os seus cuidadores, como o demonstram os estudos sobre a interação mais precoce. Depende do estabelecimento de um vínculo amoroso por parte dos cuidadores e da capacidade destes para responder de forma sensível, contingente, adequada e criativa às necessidades/comportamentos do bebé. E do reconhecimento de como esta relação é fundadora do seu “eu”.

A função parental é, pois, exigente, porque começa numa fase que não está assente na linguagem verbal, exigindo capacidade de se colocar no lugar do bebé e de escutar e agir com o coração. Isto é, que se esteja emocionalmente disponível para entender a comunicação emocional do bebé e corresponder-lhe empaticamente.

Em meu entender, tal é facilitado quando os pais conseguem recuperar e ouvir o bebé que vive dentro de si. Ou seja, quando os pais se permitem “ser bebés”, sem perder o seu estatuto de adulto.

Alguns pais têm esta capacidade de forma natural e intuitiva. Outros têm mais dificuldade. Provavelmente eles próprios não puderam ser bebés de forma livre e espontânea. São pais que confundem educar com autoritarismo e domínio e que olham para o bebé centrados na sua perspetiva de adulto, exigindo-lhe uma maturidade que este não possui… Ora, o bebé respeita as normas dos adultos, quando primeiro sente que os adultos o respeitam, mais do que o “educam”/limitam face à sua vontade de agir sobre o mundo.

Quando nos permitimos olhar para o bebé deixando ressoar o bebé que está dentro de nós, percebemos que o brincar e a demonstração de amor, orgulho e de incentivo são a sua linguagem e que é através desta que ele cresce e se desenvolve. Afinal, todos são manifestação da nossa confiança genuína na capacidade daquele em conquistar com competência o mundo que será o seu.

Assim sendo, defendo que deve ser o adulto a adequar-se à imaturidade da comunicação do seu bebé, reconhecendo na brincadeira o modo como ele experimenta, entende e aprende sobre o mundo que o rodeia. Por isso, “fale” com ele através da brincadeira e da exploração, criando alternativas para aquilo que ele não pode fazer. Exige mais tempo e mais criatividade que irritar-se ou limitar a sua ação com um “não” retumbante. Mas o seu bebé aprende consigo alternativas ao que não pode fazer, encarando a vida como algo que pode sempre conquistar. Se não de uma forma, então de outra.

Tomemos o exemplo da birra. Antes de se irritar, exigir ao seu bebé que se comporte “bem” e procurar dominá-lo com gritos, bater-lhe ou deixá-lo sozinho, respire fundo, dê tempo para essa manifestação, procure perceber o que está a ser transmitido e aceite-o como válido e adequado. Os bebés comunicam de forma muito genuína o que necessitam. Sente-se ao pé dele, ouça-o, procure entender e leve a sério a sua vontade. Não se fixe na emoção negativa. Abrace-o e acarinhe-o. Vai ser bom para os dois e diminui a tensão. Todos nós nos acalmamos quando alguém se disponibiliza para nos ouvir e perceber a nossa razão. Com os bebés é igual.

Mas para o ajudar a compreender os motivos da recusa e a descobrir alternativas, tem de usar a linguagem da brincadeira. Explique a razão do seu não e cative a sua atenção para outra coisa. Ele está ávido de aprender mais sobre o mundo que o rodeia. Rapidamente percebe que há mais para explorar e não se importará de deixar o que estava a fazer. Sobretudo, se você for o seu alegre companheiro de exploração!

Afinal, qual é o papel dos pais?

Jornal Público (26 de maio de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Assistimos a mudanças qualitativas na relação entre pais e filhos, crescendo o número de pais que reconhecem a importância de acompanharem o desenvolvimento do seu bebé. Alguns, privilegiados, fazem alterações na sua vida profissional de modo a que aqueles possam ficar os 2 ou os 3 primeiros anos de vida em casa com um dos pais, a tempo parcial (mais raramente a tempo inteiro), com o apoio ou dos avós, ou de uma ama, ou mesmo de uma creche, onde deixam o filho nos dias em que têm de ir trabalhar. O que não abdicam é de um período exclusivo com os seus filhos, em que se dedicam inteiramente a eles e se focam no prazer de estar com eles.

São pais emocionalmente disponíveis para os seus filhos, graças, também, ao crescimento financeiro que se observou nas décadas anteriores e que deixou os pais mais libertos das preocupações com as necessidades básicas de comer e da saúde e, por isso, disponíveis para uma outra necessidade básica que é liberdade/tempo para amar.

A crise atual já está a inverter este ciclo… mantendo-nos contínua e cronicamente afastados das políticas de assistência à família que vemos em países mais desenvolvidos. Países onde os governos sabem que mais amor na infância gera adultos mais seguros, menos doentes psicologicamente e mais capazes de construir uma sociedade melhor.

As mudanças a que assistimos impõem, pois, que pensemos qual o papel dos pais contemporâneos.

Afinal, qual é o nosso papel?

O bebé tem um potencial de desenvolvimento emocional saudável enorme. Ao nascer, espera sobretudo um meio acolhedor da sua espontaneidade e está disponível para aprender tudo o que é humano pelo humano, nomeadamente através das figuras parentais.

O impulso para o desenvolvimento efetiva-se na interação com o humano. Só me interesso pelos outros porque antes alguém se interessou por mim e me mostrou que os outros são, por isso, dignos do meu interesse. Sem este interesse primordial, o bebé fica cativo de uma necessidade insatisfeita e, embora vá crescendo fisicamente, emocionalmente permanece com esta necessidade em suspenso.

Note-se, pois, que os bebés não são tábuas rasas nem aceitam todo o tipo de cuidado que lhes é prestado, embora, dada a sua imaturidade e dependência, não tenham outra solução senão moldar-se.

Ora, em meu entender, é necessário reconhecer o bebé como uma pessoa em desenvolvimento. Fazendo-o, o nosso olhar sobre ele altera-se. De repente, não somos nós, adultos, que estamos no centro da questão, mas o bebé. O que é que isto quer dizer?

Quer dizer que, ao desejo epistemofílico inato do bebé deve corresponder uma atitude facilitadora dos pais. Quando falo em atitude facilitadora dos pais, estou a referir-me ao impulso natural dos pais em apresentar o mundo (natural e humano) ao seu bebé, por um lado, e em “seguir” a curiosidade do bebé no seu processo de conhecimento, por outro.

Ou seja, após uma primeira fase em que é o adulto que “inicia” a apresentação do mundo que será o do seu filho (no primeiro trimestre de vida), progressivamente vai sendo o bebé a comandar. Se a sua curiosidade é respeitada e respondida, o bebé sente-se competente na sua capacidade de exprimir o que quer e torna-se cada vez mais explícito sobre as coisas que quer ver, mexer e experimentar.

Assim sendo, penso que a arte da função parental é dar a resposta adequada ao desejo de conhecer inato do bebé. Neste sentido, os pais são como um farol (usando as palavras de António Coimbra de Matos): alguém que ilumina o caminho para que o outro possa fazer a sua escolha.


Contudo, só iluminar não chega. Para que a aprendizagem se instale numa auto-estima segura, é necessário que exista prazer e alegria inegáveis, espontâneos e consistentes face às conquistas do filho. É a luz do orgulho que ilumina a face parental que bafeja o amor próprio do filho, deixando sementes bem seguras de sentimentos de competência e de ser amado!

Orgulho Parental - o ingrediente secreto

Jornal Público (28 de Abril de 2013)


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

É bem cedo no desenvolvimento infantil que nos apercebemos da importância do olhar e das verbalizações de orgulho por parte das figuras parentais em relação às conquistas que os filhos vão fazendo e da influência que têm na perseverança e na confiança da pessoa ao longo da vida.

Em minha opinião, tal importância é reconhecida pelo bebé tão cedo quanto os 4/5 meses. Efectivamente, crescendo no seio de uma relação de amor, é por volta dessa idade que podemos observar que o bebé faz coisas com intenção de despoletar reacções de orgulho e de espanto nos pais. Por exemplo, pegou num livrinho que os pais lhe costumam ler, ri e olha para os pais à espera da resposta. Com mais idade, olha para os pais enquanto faz alguma coisa e bate palminhas e ri – exemplificando a reacção que “espera” da parte dos pais. Comportamento que demonstra bem como, precocemente, somos capazes de “pedir” aquilo de que precisamos para crescer: o deslumbre, o orgulho e o prazer do outro significativo… Para o perceber, basta estar atento e disponível emocionalmente.

A luz que é projectada do olhar de orgulho parental é captada e interiorizada pelos filhos sob a forma de reconhecimento da sua competência, de deslumbre face à capacidade demonstrada. Em suma, de orgulho face ao filho que se tem.

Quando somos bebés, o olhar é um veículo por excelência da comunicação intersubjectiva entre nós e o outro. Há outros sinais comunicantes, como as hormonas, e que captamos a um nível não-consciente e que nos dão informação mais precisa sobre a sintonia entre aquilo que vemos e que sentimos por parte do outro. E que antes de falarmos e de compreendermos bem a linguagem verbal se tornam informação preciosa sobre como somos vistos, sentidos e compreendidos pelo outro significativo.

Os bebés são extremamente sensíveis às emoções dos pais e conseguem discriminar a genuinidade das suas expressões. Como seres não falantes, os bebés são peritos na captação da informação não-verbal e essa informação fica guardada na memória de uma forma não-consciente, como proto-sentimentos ou precursores de sentimentos.

Percebemos bem essa importância quando estamos diante de pessoas que se não se sentiram o alvo do orgulho dos pais e de como isso funcionou como um agente depressígeno em toda a sua vida. A falta do orgulho parental deixou uma pedra no sapato que impediu a pessoa de andar bem, correr e até de saltar os obstáculos da vida.

Na ausência da luz do orgulho parental (que dá calor e energia), fica a sombra fria da depressão, que bloqueia o ânimo e a confiança.

Sou como fui visto/amado

Para compreendermos bem porque é que o papel dos pais é tão importante no desenvolvimento, temos de pensar sobre o seu papel na construção da nossa identidade.

Embora tenha uma base biológica, a identidade é uma construção relacional. Precocemente (até aos 18 meses de idade), bebé identifica-se pela incorporação-assimilação da imagem com que o outro o define. Ou seja, “sou como fui conhecido”. Vou construindo a minha ideia de mim através da assimilação que faço da imagem que os meus pais me devolvem de mim próprio. Coimbra de Matos designa-a por identificação imagóico-imagética.

Por isso, quando falo em orgulho parental não estou a falar de orgulho narcíseo (em que os pais se orgulham de forma narcísica do elevado desempenho dos seus filhos), mas sobretudo da espontaneidade do prazer de conhecer e de ver o nosso filho descobrir e actuar no mundo. Isso, por si só, é deslumbrante!

Tal olhar parental fá-lo sentir-se único, especial e capaz de conquistar o mundo. E isso é tudo o que é preciso para se desenvolver. Os limites e as frustrações, as insuficiências e as decepções serão ensinamentos da vida, que poderão ser melhor geridos – isto é, sem afectar a auto-estima – quanto mais a pessoa se sentiu apreciada e valorizada. Um valor que fará parte da sua reserva interna: «Sei do meu valor como pessoa porque fui e senti-me valorizado/amado».

Dicas para umas férias mais felizes

Dicas para umas férias mais felizes!
Revista Pais & Filhos (Agosto 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Chegou o mês de Agosto, o mês das férias por excelência em Portugal. Um período muito sonhado e desejado ao longo do ano por toda a família!

Porém, como em tudo o que é muito sonhado e em que há pouco tempo para vivê-lo, as férias podem deixar um sentimento de alguma frustração, nomeadamente nos pais. Porque não conseguiram descansar tudo o que precisavam (quando começavam a sentir a cabeça livre, já as férias estavam no fim), porque sentem que nem sempre é fácil equilibrar as várias necessidades em jogo (como é possível descansarem e gozarem do dolce fare niente com filhos pequenos, seres cheios de energia, de vontade de estar, brincar e mostrar tudo aos pais?), mas também porque se vêem a braços com os seus filhos a tempo inteiro, com a necessidade de os entreter… e sem terem o curso de educadores!

São alturas em que alguns pais sentem que os seus filhos são demasiado exigentes e cansativos, que fazem mais birras e não lhes obedecem. E dão por si a pensar no seu trabalho e na escola dos filhos como momentos em que podem, efetivamente, fazer férias… dos filhos.

Não sei se são os filhos que são mais exigentes nas férias, se são os pais que andam cansados, mais exigentes com os filhos e com pouca paciência para a sua imaturidade e para o que isso implica em termos de disponibilidade emocional… Penso, também, que o facto de estarem 24h juntos tem repercussões quer nos filhos quer nos pais. Demora algum tempo para que se sintonizem e adaptem os ritmos e as necessidades uns dos outros. Mas com amor, respeito, tolerância e boa-disposição tudo se consegue!

É com base nesta ideia que vos deixo algumas sugestões, que, espero, vos ajudem a refletir e a encontrar o vosso equilíbrio, para que, no final das férias, sintam que estão mais próximos e unidos à vossa família e que, apesar de todas as dificuldades, tempestades e chatices, não há, no mundo, outras pessoas com quem mais gostassem de estar! De tal maneira que, na memória de cada um, aquilo que perdure sejam os momentos em que se divertiram e riram em conjunto, redescobrindo o lado cúmplice e acolhedor da vossa família. E em que, como pais, se maravilharam com aqueles pequeninos grandes seres que são os vossos filhos!

Dicas para lembrar em período de férias!

1.       Período de férias exclusivo dos pais (quando não têm bebés, claro!). Tirem alguns dias a dois antes das férias com os vossos filhos ou peçam aos avós para ficarem com eles (mesmo que seja só um fim-de-semana) para poderem descansar e limpar a cabeça do trabalho. Se isso não for possível, pensem na possibilidade de fazerem férias com mais pessoas, sejam avós, tios ou amigos com filhos, de modo a terem momentos a sós e os vossos filhos terem mais pessoas com quem dividir a atenção.

2.       Período de férias para a família nuclear. Momento privilegiado entre pais e filhos, onde impera o vosso ritmo e a vossa identidade como família. Não abdique de usufruir dos seus filhos sem a presença da restante família! Dá mais trabalho, mas fortalece o sentimento de pertença.

3.       Agendar algumas atividades divertidas a pensar nas crianças, mas que faça as delícias de toda a família!

4.       Deixar vir ao de cima o seu lado criança. Estar com uma criança só é cansativo quando estamos indisponíveis, mal connosco próprios, enclausurados na fachada de adultos sérios, organizados, cheios de regras e de responsabilidades… quando não conseguimos resgatar de dentro de nós a nossa própria criança… para brincar e rebolar na areia, juntamente com os nossos filhos.

5.       Perante a birra, desarme os seus filhos com a sua boa-disposição e criatividade. Quando se é criança (e mesmo em adulto!) nem sempre é fácil entender que se tem de ir embora da praia e terminar com aquele momento tão bom. E a birra e o choro surgem como formas de comunicar uma imensa vontade de se continuar ali. Experimentem nessas alturas ir ao encontro do desejo dos vossos filhos: vão vocês mesmos a correr até ao mar e levem-nos convosco. Eles vão rir a bandeiras despregadas e o choro desaparece como por magia. Depois, entre beijinhos, meiguices e palavras de compreensão pela tristeza e frustração deles, ajudem-nos a perceber, com calma (não vale a pena stressarem, só agrava a situação), que têm todos de se ir embora… mas que vão voltar ou que vão fazer outras coisas divertidas. Eles próprios também vão querer ir, porque têm fome ou estão cansados. E comecem uma canção que eles gostam e sabem ou inventem uma brincadeira para sair da praia. O importante é alterar o estado de espírito geral para o prazer e a satisfação. É essa a linguagem da criança! Os castigos, o deixar as crianças a chorar, humilhar, criticar, ou mesmo o bater, apenas deixam um mal estar geral que acentua o problema. Empatize com os desejos e necessidades dos seus filhos e use a linguagem do amor e da compreensão. Educar não é autoritarismo. Aprendemos pelo amor, não pela obrigação/medo.

6.       Não estabelecer rotinas rígidas. É verdade que se está com crianças e que existem alguns horários importantes, mas… a todos sabe bem não ter de fazer tudo como nos restantes dias e prolongar os momentos de prazer! Deixem-se guiar pelo prazer e pelas dicas que uns e outros vão dando sobre o que querem fazer e que mudam os planos originais (se os havia) e que tornam as férias um feito da família! E vão descobrir que não é preciso tanta atividade planeada. O prazer de estarem bem uns com os outros é suficiente!

7.       Dividir as tarefas e o tempo em que se está com os filhos, de modo a que haja momentos em que um dos pais está mais concentrado e disponível para os filhos, enquanto o outro pode gozar das carícias do sol e do mar. Esta divisão ainda é mais importante quando sentir que está sem paciência para a energia e as traquinices dos seus filhos. É normal. Você também precisa de descansar. Quando sentir que tudo no seu filho a/o cansa e que só lhe apetece é que ele ande direitinho para que a sua cabeça sossegue, é uma boa altura para se afastar e delegar os miúdos ao pai/mãe. Se estiver sozinha/o com eles, é um bom momento para os levar a algum sítio onde estejam outros pais com crianças, e onde possam extravasar e você descansar um pouco. Ou vão dar um passeio a pé num sítio onde eles possam correr e explorar à vontade.

8.       Recorde que os filhos também têm capacidade de compreender (quando a maturidade mental o permite) as necessidades dos pais. Desde que lhes sejam explicadas com carinho e sinceridade e que a família funcione como uma equipa. O autoritarismo só espelha o nosso cansaço e mal-estar interior, a nossa frustração e irritação, a nossa insegurança e medo. Funcionar como equipa implica que as várias necessidades são respeitadas… com a noção de que as das crianças têm prioridade (tanto mais verdade quanto maior a sua imaturidade). Irritar-se porque quer descansar ou arrumar alguma coisa e o seu filho quer a sua atenção vai fazer com que a situação se agrave, porque o clima emocional se adensa e você perde a capacidade de pensar com calma e com empatia. Provavelmente, se lhe der a atenção que ele quer e o for encaminhando carinhosamente para outra atividade/pessoa, enquanto lhe explica que precisa mesmo de descansar, vai conseguir fazê-lo mais depressa.

9.       Pense também em si e no casal. Não abdique do livro das férias, nem que seja naquele bocadinho em que os filhos se foram deitar e a loiça e as roupas ficaram por arrumar, sem culpas. E encontre tempo para o casal e para namorar. Existem sempre momentos, mesmo que mais curtinhos, em que é possível sentir a união, a cumplicidade e o prazer de se estar a dois.

10.   Paciência e tolerância. Mantenha em mente que não há necessidade de ser tão exigente consigo próprio, com o seu/sua marido/mulher e com os seus filhos. Estão de férias. E viva-as com a certeza que elas nunca serão perfeitas, pois há sempre coisas que não correm como gostaria. Mas que podem ser umas boas férias. Não há férias ideais, assim como não há famílias ideais.

Boas férias!

15/04/2013

O papel do pai


por Catarina Rodrigues
Psicóloga clínica e psicoterapeuta

De forma mais ou menos discreta tem-se vindo a assistir a uma mudança no papel do pai na família actual. Mas como se deu esta mudança? Que forças nela operaram e operam?

Numa relação de amor, o filho é fruto de um desejo de ambos, mulher e homem (tenha sido ou não planeado). Por isso, hoje em dia, os casais dizem com um sorriso na boca que estão grávidos! Alguma vez ouviríamos tal expressão em gerações anteriores?

Actualmente, os pais fazem questão de ir com as suas mulheres às ecografias, participam nas compras para o futuro bebé, e desde cedo começam a pensar como vão organizar as suas vidas para poderem oferecer uma relação afectiva de qualidade aos seus filhos. Muitos são os que querem estar presentes no parto e, nos partos vaginais, cortar o cordão umbilical. Afirmam que é uma forma de se sentirem mais próximos do seu bebé logo desde o nascimento. Fazem questão de usufruir da licença de paternidade e há aqueles que gozam a licença de parentalidade na totalidade, se as mulheres têm de regressar ao trabalho após a licença de maternidade obrigatória ou mesmo se as mulheres estão em casa (no caso de terem trabalhos por conta própria). E todos são unânimes em referir a importância deste tempo único, primário com os seus filhos. De como se sentiram próximos e ligados aos seus filhos, do sentido que esta vivência teve nas suas vidas, e de como isso não tem preço.

Não sei bem explicar estas mudanças (a sociologia deve ter uma palavra mais precisa a dizer sobre este assunto), mas penso que têm a ver com a revolução que aconteceu no modo de ver a relação amorosa, o amor e a expressão afectiva. Claro que a entrada da mulher no mundo do trabalho e a consequente necessidade de divisão de tarefas domésticas e familiares também influenciou esta mudança de ser homem/pai na sociedade actual. Mas penso que terá sido sobretudo a mudança na vivência da relação afectiva a responsável por esta mudança social e cultural a que assistimos.

Exprimir e demonstrar afectos de amor deixou de ser um tabu nos homens. Passou mesmo a ser o normal e o desejável. A expressão afectiva deixou de estar confinada às mulheres. Passou a ser natural esperar que um homem exprima o seu amor e o seu carinho quer por gestos inequívocos e concretos quer através das palavras. E penso que foi isso que trouxe uma alteração na relação entre pais e filhos. O afecto tornou-se a base da relação – de forma assumida/expressa, concreta, desejável e natural.

Neste sentido, a vinculação passou a estar associada quer às mulheres quer aos pais (ainda que a mãe tenha, geralmente, um papel de destaque na relação mais precoce. Contudo, sou da opinião que não devemos cingir este papel primordial apenas à mãe, visto que há pais que indubitavelmente são a figura de vinculação do seu filho, detendo, por isso, uma função fundamental nos primeiros tempos de vida deste).

O paradigma do papel do homem mudou de uma relação paterna educativa, onde a autoridade e a distância afectiva imperavam, para uma relação de parental afectiva, onde o amor e a intimidade são a palavra de ordem. Pai e mãe passaram a ter funções de base afectiva e educativa semelhantes, ainda que diferentes e, desejavelmente, complementares na relação com o seu filho. Espera-se que ambos os pais sejam dialogantes, empáticos, afectivos, interessados, enfim, cuidadores vinculados aos seus filhos. Algo que, anteriormente, se esperava ser da órbita feminina, sendo até um desprestígio para os homens (então caracterizados de efemininados ou demasiado sensíveis, ou seja, pouco homens).

Por outro lado, penso que esta mudança de paradigma catapultou a reflexão sobre o modo como os actuais pais se sentiram filhos, ou seja, o modo como sentiram a relação com os seus próprios pais (homens), e de como sentem que isso se repercutiu nas suas vidas. Muitos são os actuais pais que referem que desejam ter com os seus filhos uma relação diferente, senão mesmo na antítese, daquela que os seus pais (homens) lhes ofereceram, nomeadamente em termos de proximidade física e afectiva. São pais que consideram que a sua proximidade afectiva ao filho é importante na construção da personalidade deste. Por outro lado, assumem que a vivência plena da paternidade lhes traz um sentimento de serem homens mais completos e realizados.

Afinal, digo eu, os homens não serão diferentes das mulheres no sentimento de completude, de realização pessoal, de alegria e de sentido de vida que um filho proporciona. Não há amor igual ao que se sente por um filho, sejamos homens ou mulheres, pais ou mães. Essa assumpção plena e sem tabus é que é uma novidade nos pais da contemporaneidade.

Neste sentido, à semelhança das mulheres, muitos são os pais que sentem a concepção e o nascimento do filho como uma alavanca para a mudança de vida – no sentido de uma libertação das grilhetas de um percurso socialmente definido, em direcção a um futuro mais de acordo com o que sente que é melhor para si e mais consentâneo com as suas características e capacidades. Claro que os tempos de crise podem dificultar esse salto em termos concretos… Mas observa-se pelo menos uma reflexão crítica do que tem sido o percurso de vida próprio, pessoal e profissional, e se esta está ou não de acordo com o que se deseja para si e se sente que lhe trará realização.

Penso que podemos dizer, neste sentido, que o nascimento de um filho motiva um “segundo nascimento” nos pais. Também eles renascem com o nascimento daquela nova vida, onde são projectados desejos e futuros.

Quando o bebé nasce e à medida que vai crescendo, e os pais se vão sentindo mais seguros na sua capacidade parental, o amor e a energia sentidos alavancam o seu desejo de sentir que a sua vida faz sentido. E emerge o impulso para se fazerem as mudanças necessárias, quando assim não acontece. Quantos não são os pais, actualmente, que mudam de vida profissional quando têm um filho, procurando sair das amarras da educação recebida pela geração anterior (onde o dever se sobrepunha ao prazer) e encontrar o seu caminho de realização pessoal e profissional?

14/04/2013

Um ano de descobertas!

Um ano de descobertas
Revista Pais & Filhos (Abril de 2013)

Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

Da dependência absoluta à conquista do mundo. O primeiro ano de vida do bebé é um ano de descobertas constantes… e emoções fortes.
Aproxima-se o primeiro aniversário da minha filha! Uma data que assinalo com um texto inspirado na nossa vivência em conjunto e naquilo que ela me foi mostrando sobre a vida e o desenvolvimento dos bebés. Não se trata, contudo, de um diário de mãe. Não pessoalizarei o artigo, mas as reflexões nele contidas derivam, essencialmente, da minha experiência como mãe e, também, daquilo que, como psicoterapeuta, vou conhecendo dos bebés e dos pais internos dos meus pacientes.

Desenvolvo-me porque sinto o vosso amor e respeito por mim como pessoa

A vida dos bebés transforma-se de uma forma incrível ao longo do primeiro ano de vida. Em 12 meses, o bebé gradualmente vai passando de um estado sobretudo virado para o interior, dominado pela maturação do biológico, onde a regulação dos ritmos é o principal, para um estado onde a curiosidade pelo humano e pelo exterior é cada vez mais explícita e motiva o palrar e o andar!

Em termos psicológicos, vai começando a delinear a sua personalidade, na medida em que se vai ajustando e adaptando às modalidades relacionais dos pais/cuidadores. Como pessoa que é, o bebé é essencialmente relacional e é na relação com o outro e com a cultura envolvente que vai moldando e adaptando a sua personalidade. Ao mesmo tempo, em termos emocionais, vai também recolhendo informação sobre a confiabilidade do cuidado prestado pelas figuras parentais e percebendo se a estas se pode ligar com segurança ou não.

Acredito que um bebé tem um potencial de desenvolvimento emocional saudável enorme. Ao nascer, espera sobretudo um meio acolhedor da sua espontaneidade e está disponível para aprender tudo o que é humano pelo humano, nomeadamente através das figuras parentais. Ou seja, desde o nascimento, o bebé está disponível para uma relação com outros seres humanos e é deles que espera cuidado, proteção e ensinamento. Sentindo que a resposta do outro lhe é contingente, isto é, é contígua e empática à necessidade manifestada, o repertório expande e vai-se complexificando.

De modo contrário, a espontaneidade vai diminuindo e vão surgindo comportamentos defensivos e/ou psicopatológicos, que resultam do esforço do sujeito em se adaptar ao modelo relacional que lhe é oferecido por aqueles de quem depende. Podemos, por isso, pensar a psicopatologia como a melhor adaptação que aquele sujeito pôde fazer às condições emocionais e psicológicas que o meio lhe ofereceu.
Contudo, acredito que, consciente ou não, permanece um núcleo saudável e espontâneo à espera da resposta humana que lhe permita avançar no caminho do seu verdadeiro “Eu”. Se assim não fosse, a profissão de psicoterapeuta não existiria.

O que pretendo dizer é que os bebés não são tábuas rasas nem aceitam todo o tipo de cuidado que lhes é prestado, embora, dada a sua imaturidade e dependência, não tenham outra solução senão moldar-se. Na verdade, penso que os bebés estão à espera de um tipo de cuidado por parte das pessoas que tratam deles. Um cuidado fundado no amor, no respeito pela individualidade e pela dependência, na tolerância à frustração, no desejo de ver crescer, na tolerância à colocação das necessidades próprias em segundo lugar, em prol do bebé.

Ao longo do primeiro ano, o impulso para o desenvolvimento é enorme. Contudo, e como pretendo salientar, esse impulso para o desenvolvimento só se efetiva na interação com o humano. Pois só existe curiosidade pelo exterior porque o bebé sentiu, e sente efetivamente, o respeito, o amor, o interesse e o cuidado por parte da figura parental. Ou seja, só me interesso pelos outros porque antes alguém se interessou por mim e me mostrou que os outros são, por isso, dignos do meu interesse. Sem este interesse primordial e constante, o bebé fica cativo de uma necessidade insatisfeita e, embora vá crescendo fisicamente, emocionalmente permanece com esta necessidade em suspenso.

O primeiro trimestre: “Estar contigo, mãe, faz-me sentir uno”

Quando o bebé nasce, e existindo disponibilidade emocional materna, a dependência face à mãe é absoluta, e isto tanto em termos físicos como emocionais. Ao longo do primeiro trimestre, e sobretudo no primeiro mês, é como se existisse, para o bebé, uma necessidade de continuidade da sua vivência no útero materno. A mãe é a sua referência, a pessoa que conhece e a quem quer por perto para saber que está em segurança. Quer sentir, cheirar, ouvir a mãe e saber que esta acode sempre que precisa.

A meu ver, deixar o recém-nascido sem resposta (deixá-lo a chorar) é deixá-lo com um sentimento de desamparo e de estar perdido. O amor não tem regras definidas e é da ordem da resposta concreta e quando pedida. Foi essa a sua experiência no útero e para que possa esperar, primeiro precisa amadurecer o seu sistema fisiológico e ganhar confiança na nova relação que vai estabelecer com as figuras parentais.

Penso que esta disponibilidade imediata da mãe ajuda o bebé a sentir-se uno na sua experiência de si (não se sente desamparado e sem resposta) e na sua experiência de confiança com a sua mãe (ela leva os seus pedidos a sério e compreende que é pequenino e que precisa dela quase sempre para se sentir tranquilo).

São meses de grande adaptação para a mãe e de conhecimento mútuo. Desejavelmente, a mãe vai reconhecendo o seu bebé como único e como pessoa. Reconhecer que é uma pessoa é reconhecer que o seu bebé tem necessidades únicas e que está atento à relação que lhe é oferecida e que procura exprimir, com as competências que possui, as suas necessidades de atenção, carinho, aconchego, mimo, respeito, comida e higiene. Estas serão necessidades universais; o modo como o bebé necessita que lhe respondam é que é único.

À medida que se vai consolidando a confiança na boa resposta parental, e acompanhando a maturação fisiológica, o desejo de interação com os pais torna-se cada vez mais explícito.

A clareza da comunicação/intenção do bebé encontra-se, pois, correlacionada com o modo contingente como se sente entendido e respondido. Na ausência da resposta parental suficientemente boa, fica a angústia e a necessidade paira dentro do próprio em bruto (sem tradução verbal e emocional). A boa resposta parental traz a clarificação das necessidades apresentadas pelo bebé e isso contribui para que este se sinta competente na comunicação das suas necessidades.

Ou seja, por um lado, quanto mais o bebé sente a resposta parental correspondente às suas necessidades, mais estas se tornam claras: a boa resposta parental vai tornando as necessidades do bebé melhor definidas para este, porque a mãe e o pai conferem o significado correto – conferem palavra e dão o cuidado que o fazem sentir-se bem. Por outro, o facto de se sentir entendido, torna o bebé mais confiante na sua capacidade de comunicar o que necessita (“se me sinto melhor, é porque os meus pais o entenderam o que se passa comigo e eu consegui explicar-lhes”) e confiante na relação com os seus pais.

O mesmo sucede com os pais. Também vão ganhando confiança na sua competência, à medida que sentem que conseguem entender e ajudar o seu filho a crescer bem. É este sentimento recíproco de confiança e de competência em pais e bebé que funda, a meu ver, o 1º trimestre… e que delimita, no bebé, a linha entre a patologia e a saúde mental.

O segundo trimestre: “Já começo a mostrar a minha intenção!”

Depois… depois vem a interação clara e o prazer de aprender sobre as relações humanas e sobre o mundo no brincar entre pais e bebé! Efetivamente, creio que o 2º trimestre inaugura o interesse pelo mundo e pela interação com os pais. O bebé vai percebendo que os pais lhe procuram transmitir coisas de si mesmo e do mundo que o rodeia. Sente que são de confiança e tem curiosidade sobre o que fazem e dizem. A repetição de algumas brincadeiras e o estabelecimento de rituais por parte dos pais ajudam o bebé a estabelecer relações de causa-efeito e a associar palavras/sons a imagens ou comportamentos.

Gradualmente, o bebé dirige-se aos pais intencionalmente (falamos em proto-intencionalidade nesta fase) em busca de significado sobre o que o rodeia e sobre o seu estado interno. Por exemplo, o bebé olha para os pais quando estes enunciam um objeto ou animal ou pessoa. A sua atenção, mesmo que breve, é incisiva… e o conhecimento vai-se fazendo. Um exemplo para os estados internos, é quando o bebé tem fome ou quer mimo e olha e chora de uma certa forma para a mãe! Ou faz beicinho se o deixam no berço e ele quer colo!
Gostava aqui de salientar este aspeto: os bebés procuram e exprimem o que precisam e dirigem-se a quem têm tido a experiência da boa resposta às suas necessidades. Os bebés são pessoas, em formação, é certo, mas pessoas. Reconhecido como pessoa, o bebé pode, então, reconhecer-se como pessoa!

A dada altura o bebé olha para si mesmo com interesse e sorri! O seu mundo deixou de estar concentrado na mãe e no pai. E pode sorrir-se porque se sente amado e narcisado. O olhar apaixonado da mãe e do pai sobre si dá-lhe a certeza de que é alguém, de que é amado e reconhecido. 

Penso que será aqui que o bebé começa a desenvolver a sua individualidade. Note-se que não considero que exista um período inicial de confusão entre o bebé e sua mãe. Penso que o bebé sabe, desde que nasce, sem palavras e sem pensamentos verbais (talvez por imagens e sensações) que é um ser separado da sua mãe. Sempre o foi desde que estava no ventre materno. Contudo, à medida que se vai sentindo olhado e significado (reconhecido), associado ao amadurecimento do seu cérebro, o bebé começa a perceber que existe como alguém que é objeto de um amor inigualável por parte dos sujeitos parentais. Funda-se o amor próprio e um novo impulso para o desenvolvimento acontece!

O terceiro e quarto trimestres: “Olá mundo!”

Conquistando mais força e equilíbrio no seu corpo, e mais confiante em si mesmo, o bebé percebe que consegue fazer coisas incríveis e que já não depende tanto dos pais para alcançar as coisas que acha interessantes. Os próprios pais estimulam esta conquista, afirmando ao bebé que consegue fazer algo e continuando a chamar a sua atenção para as descobertas que ainda tem a fazer sobre o meio que o rodeia e sobre si mesmo. E para as que depende, primeiro o bebé olha com intensidade e palra, depois aponta e usa os pais como seu prolongamento para chegar a elas, em seguida gatinha e, por fim, anda! Tudo acompanhado por um esforço de nomear coisas e pessoas, em que em primeiro lugar pode vir a palavra “bebé”!

Esta conquista do mundo é possível porque o bebé vai adquirindo pela experiência concreta a certeza de que pode confiar que os seus pais estão ali por perto, lhe apresentam o mundo e lhe dizem quais as coisas que podem ser perigosas para ele, assegurando que nada de mal lhe possa acontecer. O bebé sente que pode experimentar o mundo em segurança… E de tal forma assim o é que geralmente olha para os pais em busca de confirmação quando se aproxima ou pega num objeto que os pais já lhe haviam dito que não podia mexer porque se pode magoar ou quando pretende que lhe expliquem como funciona determinado objeto.
Como mãe, diria que estes seis meses são de puro deslumbre para os pais pela cadência da conquista de novas competências do bebé! Parece que a todo o instante, o bebé nos mostra algo novo, fazendo-nos sentir que é o bebé mais esperto e inteligente e capaz do mundo! E como esse olhar de deslumbre e de orgulho é fundamental para a autoestima do bebé… Como o brilho no olhar dos pais, o riso que emitem, as palminhas que batem, o fazem sentir especial e que fez algo muito interessante! O que o estimula a continuar!
Penso que isto sucede, porque ao desejo epistemofílico (de conhecimento) do bebé corresponde uma atitude pedagógica dos pais. Quando falo em atitude pedagógica dos pais, estou a referir-me ao impulso natural dos pais em apresentar o mundo (natural e humano) ao seu bebé, por um lado, e em “seguir” a curiosidade do bebé no seu processo de conhecimento, por outro. Efetivamente, penso que após uma primeira fase em que é o adulto que “comanda” o processo de conhecimento (nos trimestres anteriores), nestes trimestres é o bebé que comanda, sendo cada vez mais explícito sobre as coisa que quer ver, mexer e experimentar.

O papel do adulto é, pois, a meu ver, “seguir” o bebé, empatizando com o seu desejo, dando-lhe espaço à repetição que precisa para assimilar e acomodar os novos conhecimentos. Mas o seu papel não se esgota aqui: pode e deve deslumbrar o seu bebé com mais uma informação sobre o objeto que ele está a explorar… estimulando o seu desejo de explorar. Para depois se deslumbrar com o lado de investigador minucioso que o seu bebé tem!

Trata-se, pois, de conceber o adulto como o veículo privilegiado da aprendizagem do bebé sobre o mundo que será o seu à medida que cresce (e que os pais envelhecem). Trata-se de conceber o adulto como o transmissor de valores e de ensinamentos que vão ajudar o futuro adulto, agora bebé, a gerir o mundo relacional e natural. Por isso, vejo o respeito pelo bebé como a base de toda a interação com este.

E estou, ainda, a referir-me ao prazer que todos têm nesta interação! É a alegria, o espanto e o estímulo genuínos demonstrados pelos pais na sequência de um comportamento espontâneo do bebé que gera, neste último, o prazer de o repetir e de mostrar o que consegue fazer aos pais. Claro que isso às vezes é cansativo para os pais. Sem dúvida. Apanhar vezes sem conta objetos do chão, enunciar objetos inúmeras vezes à medida que o bebé aponta, andar curvado para ajudar o bebé a andar sempre que lhe apetece, repetir uma certa brincadeira ao vermos o olhar brilhante do bebé e um riso a desenhar-se nos seus lábios quando passa por um sítio onde costumamos fazer essa brincadeira com ele, pode cansar. Mas é assim que aprendemos. Todos nós. Pela repetição e pelo prazer que sentimos pelo desafio intelectual e motor, mas sobretudo pelo sentimento de crescente intimidade com os nossos pais!

Pode não ser fácil, é certo, mas julgo que é tanto mais possível quanto mais nos permitimos a ver o mundo com os olhos do nosso bebé interno e/ou que nos permitimos ser “invadidos” pelo olhar do nosso bebé. Ou seja, a olharmos para as pessoas e objetos como se fosse a primeira vez e darmo-nos conta do que podem fazer, da forma, do brilho, da textura, do toque de tudo o que nos rodeia… e de como isso é deslumbrante!

P.S. Dedico este texto à minha filha, desejando que o possa ler daqui a uns anos e nele reconhecer o “sentir” da nossa vivência comum ao longo deste primeiro ano da nossa vida como família.

Poema da autora

Quando sorriste para ti…
Quando o bebé começa a perceber que existe como alguém e que é objeto de um amor inigualável por parte dos pais, um novo impulso para o desenvolvimento acontece! Ilustro esta questão através de uma espécie de poema que escrevi aos cinco meses da minha filha.

Bebé
“Mãe/Pai,
O que vejo quando olho para os teus olhos?
Quem vejo refletido no teu olhar?
O que sinto quando me olhas?
O que sinto que tu sentes quando olhas para mim?
Saberás, porventura, da importância do teu olhar para mim?»

Resposta da mãe
“Sim, minha filha, sei-o. Quando olho para ti e vejo a atenção que colocas em mim e no meu olhar, compreendo logo o quanto sou importante para ti. Compreendo o quanto o teu florescimento depende do meu amor, da minha alegria, do meu orgulho em todos os teus pequeninos gestos. E à medida que cresces, apercebo-me o quanto a minha maneira de ser, contigo e com os outros, influencia a formação da tua personalidade. Sabes quando me apercebi claramente disso? No dia em que deixaste de olhar e rir para a minha imagem refletida no espelho e passaste a olhar e a rir para ti mesma refletida no espelho. Para ti - que sempre tinhas estado ali, ao meu lado, no meu colo, mas que ainda não te tinhas apercebido. Só olhavas para mim! E de repente, sorriste para ti da mesma maneira que eu costumo sorrir para ti. Reconhecias-te… porque havias sido reconhecida por mim. Vias-te agora, porque havias sido anteriormente vista por mim.”

O Pai Reinventado

Na Revista Pais & Filhos de Março de 2013, saiu um artigo sobre o Pai Reinventado, com a colaboração de Catarina Rodrigues, juntamente com Eduardo Sá e Leonor Balancho.

Trata-se de um artigo de Helena Gatinho que conjuga várias opiniões sobre o papel do pai na nossa época e que vale a pena pelas reflexões a que nos conduz!


07/03/2013

O Poder da Fantasia


Catarina Rodrigues
Psicóloga Clínica e Psicoterapeuta

In Revista Pais & Filhos, Fevereiro de 2013


«- Mamã, vai haver uma festa de carnaval na minha escola e a professora disse para irmos mascarados. Eu estive a pensar e queria mascarar-me de fada!
E dito isto, Leonor correu pela casa toda, dançando e cantando como se fosse uma fada. Pelo menos, a fada que tinha na sua imaginação. Ondulava a mão direita pelo ar como se empunhasse uma varinha de condão imaginária e dava gritinhos de alegria, apontando para um e outro lado, provavelmente lançando feitiços encantados. A mãe sorriu, ao ver a filha tão contente e imaginou-a com um vestidinho branco e umas asinhas presas às costas. Sem dúvida, ficaria uma linda fada!
Enquanto a filha dançava e cantarolava, a mãe ficou a pensar porque ficava a filha tão contente com a possibilidade de se mascarar. Sem se dar conta, começou a pensar na sua infância. Não queria dizer que não tivesse brincado ao Carnaval mais tarde, já adulta, mas existiam datas que tinham o sabor diferente da infância e que ficaram registadas dentro de si, à medida que crescia, como momentos de uma magia que só a infância - com a sua credulidade, inocência e fantasia - pode ter.
Deu por si a sorrir nostalgicamente recordando um fatinho de pantera cor-de-rosa que o pai lhe havia trazido, era ainda ela pequenina, e de como ele tinha tido um significado tão especial para ela. Lembrou-se também de se ter mascarado de dama antiga e de homem barrigudo (em que tinha colocado uma imensa almofada na barriga, que lhe estava sempre a cair com as correrias!). Já não se lembrava disso há tanto tempo… Incrível, ainda podia sentir dentro de si o quanto se tinha sentido linda ou divertida com tais vestimentas! E a algazarra que tinha sido com os amigos! Todos mascarados, fingindo que eram este ou aquele personagem! Corriam pela rua como loucos, tocando às campainhas e exibindo os seus fatos. Fantástico! Por um dia, eram as personagens que alimentavam diariamente a sua fantasia!
Pensou há quanto tempo não se mascarava. No carnaval, esta possibilidade de brincar ao faz de conta é regra para pequenos e graúdos, demonstrando bem como o brincar é importante, possibilitando sair das regras do quotidiano e agir de forma espontânea e divertida.
Ficou a pensar no que tinha de especial a possibilidade de vestir uma pele que não a nossa? Olhou para a filha/fada e compreendeu que vestir o disfarce tornava a fantasia materializada e exposta ao mundo real. Saía do mundo privado para o foro social/relacional. E vestir o disfarce era qualitativamente diferente de brincar com uma boneca fada. Naquele momento, a filha era uma fada. E essa fantasia era socialmente aceite. Vestida de fada, a filha podia agir como uma fada e ser diferente de si mesma. O disfarce permitia-lhe ir para além de si mesma e das suas características
A fantasia faz parte integrante da vida mental
Brincar faz parte da natureza animal, mas brincar ao faz de conta é algo específico do ser humano. Desde muito cedo no nosso desenvolvimento que brincamos ao faz de conta, mediados ou não pelos brinquedos. Com efeito, podemos manipular brinquedos – animais, pessoas, coisas - e através deles viver, na nossa imaginação, grandes aventuras. Mas, também podemos imaginarmo-nos como determinado personagem ou animal e utilizar o nosso corpo para o imitar. E podemos, ainda, disfarçarmo-nos de determinado personagem ou animal!
Como estamos a chegar ao Carnaval, vamos pensar no papel do disfarce.
O disfarce como que materializa o desejo de ser um certo personagem, de nos “fantasiarmos”, ou seja, de podermos nós mesmos materializar a nossa fantasia e brincar com ela. Fica-se, então, num mundo intermédio, que já não é só a fantasia privada nem é o mundo real. A fantasia entra na realidade, sem que, no entanto, se confunda com esta. Estamos apenas a fingir e a representar um papel, mas por momentos é como se fossemos esse personagem, exibindo as suas características e comportamentos.
A escolha do disfarce é relevante para a criança. Normalmente, representa um super-herói da sua história preferida, mas pode ser também alguém ou algum personagem com que se identifica e que valoriza ou um personagem que lhe permite extravasar afectos negativos e angustiantes em segurança (como no caso da bruxa ou do fantasma).
Através da fantasia e brincando ao faz de conta, a criança supera as suas limitações – pode ser a linda princesa cobiçada, e não a menina tímida que pouco fala com os rapazes da sua escola; pode ser o super-homem forte e corajoso, e não o menino gozado pelos colegas. Ou seja, pode colocar no disfarce como que um alter-ego, que lhe permite expor um outro lado de si mesma inibido ou reprimido. O que pode ter repercussões na relação com os outros. Efectivamente, sentindo-se mais à-vontade através do faz-de-conta, a criança pode experimentar comportamentos diferentes dos habituais e ganhar mais confiança e segurança na relação com os outros.
O disfarce permite, ainda, manifestar comportamentos com uma intensidade que normalmente levariam a um ralhete dos pais/professores. Ou seja, o disfarce permite sair dos “limites” próprios (entenda-se das características e das competências do próprio) e dos limites impostos pela realidade, o que ajuda a criança a auto-regular-se e a aprender os seus próprios limites.
Em todos os casos, o disfarce representa o personagem que melhor traduz a vontade de ser crescido, os impulsos amorosos ou agressivos, de cooperação ou de competição, de valentia ou de medo, permitindo à criança, pela identificação ao personagem, dar largas a comportamentos que suscitam curiosidade e experimentar, na segurança do faz de conta, as complexidades relacionais que vai observando e vivendo com adultos e outras crianças.
Compreendemos, pois, como o brincar e o imaginar são fundamentais para o desenvolvimento humano. Afinal, quando somos pequeninos o brincar permite-nos experimentar o mundo em segurança! Ser criança é ser pequenino, é possuir competências em maturação e estar ainda em desenvolvimento… e o mundo, sobretudo o mundo relacional em que a criança está inserida, é complexo. Brincando, imaginando, disfarçando-se, a criança pode sair da sua realidade. Pode ser em simultâneo ela própria e os pais, por exemplo, e imitar/representar os comportamentos destes que a angustiam, entristecem ou alegram e os seus próprios. Pode ensaiar comportamentos de separação, de valentia, de agressividade, de amor, de ódio, de extravasamento total… pode tudo. Porque no final da brincadeira, volta a ser ela própria… mas, provavelmente, não a mesma de antes da brincadeira. Antes um si próprio “acrescentado” com as ideias, as emoções, as sensações, as aprendizagens internas que a brincadeira lhe trouxe.
Da minha própria experiência, as crianças pedem sempre o disfarce que lhes faz sentido. Quando o adulto respeita o pedido da criança e a deixa viver a sua fantasia em pleno, esta vem responder a necessidades íntimas do desenvolvimento daquela criança. O que quero dizer, é que as brincadeiras e os disfarces não são escolhidos por um acaso ou só porque está na moda, mas porque, de alguma forma, permitem viver emoções que são importantes à criança… Efectivamente, nenhuma criança brinca só por brincar! A criança escolhe a brincadeira/o disfarce que melhor vem responder às suas necessidades internas e às necessidades que vão surgindo no seu contexto afectivo, social, cognitivo, à medida que vai crescendo. Isso pode não ser óbvio para o adulto que a observa. Nem tem de o ser. É o maravilhoso do simbólico: em grande parte, permanece oculto e no domínio da privacidade dos sonhos, necessidades e desejos infantis.
É importante mascarar?
«- Rodrigo, já te disse que não faz sentido isso de te mascares…
- Mas, mãe, todos os meus colegas se vão mascarar lá na escola…
- Está bem, mas nós não temos essa possibilidade, já falámos sobre isso. Além disse, sabes que eu e o teu pai não concordamos com isso. É um gasto de dinheiro estúpido. Se tu quiseres, a mãe pinta-te uns bigodes ou o que tu quiseres…
-Não, deixa estar, o que eu gostava mesmo era ir de Zorro… Com uma espada…
-Não dá, filho. Olha, a mãe e o pai também nunca se mascararam e não foram menos felizes por causa disso. Tu sabes que na nossa altura se começava a trabalhar cedo, e não havia tempo para brincadeiras. Tu já tens muita sorte, Rodrigo.
Rodrigo virou as costas e encaminhou-se para o seu quarto. Sentia-se infeliz e incompreendido, mas não percebia bem porquê. Queria tanto mascarar-se de Zorro… Era o seu personagem preferido. Adorava os desenhos animados. Levantava-se bem cedo para os ver. Não tinha nenhum boneco Zorro, porque os pais não achavam importante ter-se brinquedos que não fossem didácticos. Achavam mais importante comprar os livros e a roupa para a escola. O Rodrigo percebia, em parte. Sabia que tinham pouco dinheiro e que não se podia gastar à toa. Mas queria tanto, tanto o Zorro. Felizmente, tinha uma coisa que não custava dinheiro nenhum aos pais: a sua imaginação. E imaginava-se de Zorro. Imaginava-se vestido de Zorro, com a espada e tudo! Às vezes, no escuro do seu quarto, enquanto brincava imaginando, dizia a si mesmo que quando fosse grande havia de ter um disfarce de Zorro e um boneco do Zorro e os filmes do Zorro… e, se tivesse um filho, nunca lhe ia dizer que não era importante mascarar-se. Ia deixar o filho mascarar-se e ter brinquedos, porque só uma criança sabe como os brinquedos e os disfarces são importantes. E pensava que talvez os seus pais, por não o compreenderem, nunca tivessem sido verdadeiramente crianças…»
Por vezes, o adulto pode sentir dificuldade em não se “intrometer” na brincadeira da criança e procurar influenciá-la de alguma forma, escolhendo disfarces ou incentivando a que a brincadeira vá num ou noutro sentido. É quase inevitável, porque dentro de si permanece esse apelo maravilhoso ao brincar como quando era criança! Ou seja, o seu lado infantil vem ao de cima e, sem se dar conta, começa a brincar! A criança fará o filtro e geralmente diz: «Não, mãe/pai, não é nada disso. É assim…» e recoloca a brincadeira de acordo com a sua imaginação, e não a dos pais.
Outros pais têm dificuldades em brincar e podem ter dificuldade em compreender e aceitar as brincadeiras dos filhos e mesmo compreender a necessidade de brincar. Provavelmente, terão sido crianças impedidas de brincar ou cuja dureza da sua realidade lhes impossibilitou imaginar cenários alternativos e fantasiosos. Há situações de vida em que é difícil imaginar e brincar…
Mas, a fantasia faz parte integrante da vida mental do ser humano.
Quando a criança diz quero mascarar-me de fada, Zorro, homem-aranha, super-homem, piloto do Faísca Macqueen, etc., está a identificar-se a um herói dos seus desenhos animados ou história preferidos. Está a identificar-se aos valores, às características e comportamentos desse personagem. Quando veste o disfarce desse personagem e age como ele, sente-se como esse personagem. E a sua imaginação é alavancada e potenciada com a brincadeira… e, ainda que invisível aos olhos de adultos que reprimiram a criança que há em si, em redor da criança que brinca, surge todo um incrível mundo de fantasia. É esse o poder da imaginação. De nos transformar e de transformar o meio e as pessoas em nosso redor de acordo com a nossa fantasia.
Os desenhos animados exploram muitas vezes este fenómeno. Um personagem está a brincar e à sua volta tudo se vai transformando, aparecendo o cenário ideal para as aventuras imaginadas. É esse o papel da imaginação – criar imagens, cenários, personagens que não existem fisicamente, apenas na cabeça da criança, e que transformam o meio e as pessoas em redor em cenários e personagens da fantasia da mente da criança.
A este propósito, não sei se já vos aconteceu regressar a um sítio onde brincaram quando eram crianças e já não iam há muito tempo? Por exemplo, a escola primária onde andaram e o jardim onde iam brincar com os amigos e onde tantas aventuras foram imaginadas. Verificarão que é espantoso como esse sítio parece diferente daquele que guardam na vossa mente. Não é só o facto de parecer mais pequeno; é também o facto de parecer menos brilhante e vivo. É na vossa recordação que esse sítio aparece com a coloração viva e alegre, misteriosa e aventureira da vossa infância, de acordo com as brincadeiras que ali fizeram. No fundo, o sítio consiste apenas num cenário que a imaginação, através do brincar, anima e traz colorido! Quando vestimos um disfarce é igual. O disfarce é apenas o pano de fundo. A imaginação da criança é que lhe traz vida e realismo.
Quando o vosso filho vos pedir para se mascarar, lembrem-se que o disfarce, tal como o brinquedo, permite à criança sair do mundo estritamente perceptivo, das normas e regras sociais, dos seus limites, características e circunstâncias. O disfarce permite brincar como se se estivesse a sonhar acordado. E, no meu entendimento, tem sido essa capacidade humana que ter potenciado a nossa incrível evolução. E, agora, digam-me, quantos de vós não guardam na vossa recordação imagens, sabores, sensações vividas quando brincavam? Lembram-se de como eram capazes de transformar o mundo no local da vossa fantasia e de como isso vos dava um prazer incrível? E de como, depois, da brincadeira, se sentiam satisfeitos e felizes? Por isso, vos desejo, a vós e aos vossos filhos, BOM CARNAVAL!