26/01/2016

Isolamento Infantil

Isolamento Infantil

Publicado originalmente no Jornal Público 

Catarina Rodrigues
Catarina.nasc.rodrigues@gmail.com

Não é raro conhecermos uma criança que se isola no recreio, que se retrai no contacto com os outros meninos, que fica muito calada na sala, quase passando despercebida, e que não mantém o contacto olhos nos olhos prolongado. São crianças que podem ser alvo de troça, ou de bullying, ou de evitamento por parte dos outros meninos (por exemplo, não são convidadas para as festas de aniversário dos colegas ou são deixadas de parte nas brincadeiras do recreio). Normalmente, são crianças que preferem o contacto com o adulto, a quem sentem como securizante. São crianças com pouca voz, pouca presença, pouco carisma. Em duas palavras, são crianças sobretudo inseguras e sós. Nem sempre os pais destas crianças as trazem ao psicólogo, encontrando justificações na personalidade dos seus filhos, ou numa fase de desenvolvimento que estarão, supostamente, a passar, ou identificando-se a eles (“eu também era assim”). Porém, em meu entender, o isolamento social é sempre um sinal preocupante. Somos seres de relação e é na nela que encontramos prazer, dinamismo, desafio e crescimento/expansão.
O desenvolvimento infantil desejavelmente ocorre no sentido positivo e expansivo: em termos da expressão da vontade e das capacidades próprias; do reconhecimento das competências sociais, descobrindo no outro um parceiro de brincadeira e de descoberta; de desejo de explorar o meio que o rodeia, humano e físico. Quando a criança se sente alegre, segura e confiante, o mundo está ao seu alcance para ser descoberto e é-lhe natural transformar as dificuldades em desafios para ultrapassar. Tem mais capacidade para gerir as diferenças e os temperamentos das outras crianças. Não se isola; transforma. Não se assusta perante a dessintonia relacional e trabalha ativamente no sentido de alcançar nova sintonia.
Quando uma criança se isola é porque sente dificuldade em gerir as exigências emocionais que a relação com os outros lhe coloca. Isso pode acontecer por muitas razões, mas percebemos de antemão que a sua auto-estima está fragilizada e que tem um estilo inseguro e evitante de lidar com os outros. Isola-se e evita porque sente que a relação com o outro é de uma exigência emocional à qual não consegue dar a resposta satisfatória – não consegue sentir-se competente na sua capacidade de ser interessante e gostada pelo outro. Sente-se falhada e aquém. Sente-se diminuída e inferiorizada.
A criança procura proteger-se emocionalmente da deceção e da humilhação sentidas no confronto direto com a qualidade dinâmica das relações (têm altos e baixos) e face à tomada de consciência da sua inabilidade. Efetivamente, fraca resiliência emocional faz com que a criança sinta de forma muito intensa e profunda as dessintonias na relação com os outros. Não são vividas como parte do processo/vida (onde sempre existe uma oscilação entre sintonia e dessintonia, até se criarem novas sintonias), mas como falhanço pessoal e relacional, corroborando internamente a crença no seu fraco valor e competência para gerir os desafios e as frustrações nas relações com os outros.
À deceção geralmente está associada a zanga face a si mesmo e ao outro, muitas vezes inconsciente, que faz com estas crianças tenham um sentido crítico (culpa) em relação a si mesmas, mas também em relação aos outros, destruidor, dificultando a emergência de uma perspetiva mais construtiva (ao invés de destrutiva) e de estratégias de gestão das relações mais criativas e plásticas.
Da minha prática clínica, estas dificuldades manifestam uma intricada ligação entre características genéticas (introversão) e estilo relacional inseguro e evitante desenvolvido na relação de vinculação com as figuras precoces significativas (que provavelmente também apresentam um estilo maioritariamente inseguro e evitante de relação), beneficiando de um trabalho psicoterapêutico assente no entusiasmo pelo estímulo das competências que ficaram em suspenso no desenvolvimento do sujeito.

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