Isolamento Infantil
Publicado originalmente no Jornal Público
Catarina Rodrigues
Catarina.nasc.rodrigues@gmail.com
Não é raro conhecermos uma
criança que se isola no recreio, que se retrai no contacto com os outros
meninos, que fica muito calada na sala, quase passando despercebida, e que não
mantém o contacto olhos nos olhos prolongado. São crianças que podem ser alvo
de troça, ou de bullying, ou de evitamento por parte dos outros meninos (por
exemplo, não são convidadas para as festas de aniversário dos colegas ou são
deixadas de parte nas brincadeiras do recreio). Normalmente, são crianças que
preferem o contacto com o adulto, a quem sentem como securizante. São crianças
com pouca voz, pouca presença, pouco carisma. Em duas palavras, são crianças
sobretudo inseguras e sós. Nem sempre os pais destas crianças as trazem ao
psicólogo, encontrando justificações na personalidade dos seus filhos, ou numa
fase de desenvolvimento que estarão, supostamente, a passar, ou
identificando-se a eles (“eu também era assim”). Porém, em meu entender, o
isolamento social é sempre um sinal preocupante. Somos seres de relação e é na nela
que encontramos prazer, dinamismo, desafio e crescimento/expansão.
O desenvolvimento infantil desejavelmente
ocorre no sentido positivo e expansivo: em termos da expressão da vontade e das
capacidades próprias; do reconhecimento das competências sociais, descobrindo
no outro um parceiro de brincadeira e de descoberta; de desejo de explorar o
meio que o rodeia, humano e físico. Quando
a criança se sente alegre, segura e confiante, o mundo está ao seu alcance para
ser descoberto e é-lhe natural transformar as dificuldades em desafios para
ultrapassar. Tem mais capacidade para gerir as diferenças e os temperamentos
das outras crianças. Não se isola; transforma. Não se assusta perante a
dessintonia relacional e trabalha ativamente no sentido de alcançar nova sintonia.
Quando uma criança se isola é porque sente dificuldade em gerir as
exigências emocionais que a relação com os outros lhe coloca. Isso pode
acontecer por muitas razões, mas percebemos de antemão que a sua auto-estima
está fragilizada e que tem um estilo inseguro e evitante de lidar com os outros.
Isola-se e evita porque sente que a relação com o outro é de uma exigência
emocional à qual não consegue dar a resposta satisfatória – não consegue
sentir-se competente na sua capacidade de ser interessante e gostada pelo
outro. Sente-se falhada e aquém. Sente-se diminuída e inferiorizada.
A criança procura proteger-se
emocionalmente da deceção e da humilhação sentidas no confronto direto com a
qualidade dinâmica das relações (têm altos e baixos) e face à tomada de
consciência da sua inabilidade. Efetivamente, fraca resiliência emocional faz
com que a criança sinta de forma muito intensa e profunda as dessintonias na
relação com os outros. Não são vividas
como parte do processo/vida (onde sempre existe uma oscilação entre sintonia e
dessintonia, até se criarem novas sintonias), mas como falhanço pessoal e
relacional, corroborando internamente a crença no seu fraco valor e competência
para gerir os desafios e as frustrações nas relações com os outros.
À deceção geralmente está associada
a zanga face a si mesmo e ao outro, muitas vezes inconsciente, que faz com
estas crianças tenham um sentido crítico (culpa) em relação a si mesmas, mas
também em relação aos outros, destruidor, dificultando a emergência de uma
perspetiva mais construtiva (ao invés de destrutiva) e de estratégias de gestão
das relações mais criativas e plásticas.
Da
minha prática clínica, estas dificuldades manifestam uma intricada ligação entre
características genéticas (introversão) e estilo relacional inseguro e evitante
desenvolvido na relação de vinculação com as figuras precoces significativas (que
provavelmente também apresentam um estilo maioritariamente inseguro e evitante
de relação), beneficiando de um trabalho psicoterapêutico assente no entusiasmo
pelo estímulo das competências que ficaram em suspenso no desenvolvimento do
sujeito.
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