Só a Psicanálise não
chega
Publicado originalmente no Jornal Público em Novembro de 2014
Catarina Rodrigues
Psicoterapeuta
O impacto do estilo
relacional parental na construção da identidade e personalidade dos filhos pode
constituir-se como uma marca de um passado irrelembrável, no sentido de não
consciente porque não pensável ou elaborável pela mente imatura do bebé. Porém,
é indesmentível e inesquecível, matriz do estilo relacional (próximo, seguro,
espontâneo, livre, confiante, amante… ou o contrário) que os filhos estabelecem
(em resposta) com os seus pais… e depois com o mundo que os rodeia.
Tal irrelembrável e
inesquecível (como tão bem o caracterizou Miguel Mealha Estrada) perturba a
vida do sujeito, limitando a liberdade, a espontaneidade e a iniciativa.
Interfere com a capacidade de ser de forma confiante, audaz e sonhadora na vida.
Medos, angústias, desesperança não encontram transformação criativa e
resiliente.
A Psicanálise, se
proporcionando um estilo relacional complementar, concorre para uma expansão do
“eu”. A análise de si mesmo e da sua história como foi vivida emocionalmente
pelo próprio possibilita a tomada de consciência do desenvolvimento que ficou
em suspenso e compreender a raiz da fragilidade, do medo, da dependência e da
imaturidade.
Cabe ao analista ajudar
a re-situar a pessoa na sua vida, trabalhando em “dupla hélice - repetição e
inovação, transferência e nova relação”, segundo Coimbra de Matos, que
acrescenta: “A primeira desenvolve-se em espiral redutora, reforçando a
adaptação patológica – é iatrogénica; a segunda, em espiral expansiva – e é
terapêutica. A primeira interpreta-se para a dissolver – análise da
transferência; a segunda gere-se para a expandir e generalizar – desenvolvimento
e transferência da nova relação”.
Em meu entender, tal expansão
e generalização são possíveis porque a pessoa reconhece o entusiasmo e a
confiança do analista pela sua vida (e pela vida em geral). Veiculado de forma
clara e genuína, este entusiasmo resgata o sujeito da sua solidão e dos seus
medos, incentivando-o a ir além da sua zona de (des)conforto e reconquistar o
seu lugar na vida. Psicanálise relacional, talvez ainda a caminho de ser
verdadeiramente relacional, onde a certeza do interesse e do entusiasmo do
analista pela pessoa é o principal factor de saúde, colmatando a falha inicial.
Porém, a retoma do
desenvolvimento não se processa se encerrada na relação psicanalítica. Só a
psicanálise não chega. A psicanálise lança as bases da compreensão do próprio e
do meio relacional que o rodeia para que a transformação possa ocorrer. A
transformação ocorre na vida, no vivido emocional na relação com os outros que
se vão tornando significativos. É necessário que exista uma boa aliança entre o
impulso para o exterior motivado pelo analista e a coragem do analisando para
se colocar em movimento na vida.
Quando tal sucede, o
sujeito sente-se mais capaz para se assumir como responsável pela sua vida. É
reconhecido e reconhece-se como suficientemente competente para criar e escolher
os caminhos que intui serem os melhores para si, aqueles que vão ao encontro da
sua realização pessoal. Compreende que permanecer dependente da energia, do
interesse e das capacidades de um outro (mesmo que esse outro seja o analista),
é persistir num estilo relacional assente na dependência e na desvalorização/inferiorização
de si mesmo. Elegendo-se a si mesmo como responsável pela sua vida, caminha
para além da precoce necessidade parental insatisfeita.
Neste caminho, há sucessos e fracassos. Não há outra forma de aprender.
Tem de estar preparado para as investidas da culpa, da desvalorização e da
crítica… sobretudo internas. Mas se a esperança em si o nortear… permanece em
movimento na sua vida! Porque a vida, como diz Coimbra de Matos, “é,
essencialmente, construção de novidade (…); é, sobretudo, desenvolvimento
pessoal e social – este desígnio é o que verdadeiramente motiva o Homem; sem
ele, não há vida afectiva, esperança, alegria e felicidade – só passagem do
tempo”.
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